A Aproximação Facial da Múmia que Grita (XVIII Dinastia)

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Cicero Moraes
3D Designer, Arc-Team Brazil, Sinop-MT, Brasil - Bacharel em Marketing, Dr. h. c. FATELL/FUNCAR (Brasil) e CEGECIS (México) - Membro da Mensa Brasil e da Intertel - Revisor convidado: Elsevier, Springer Nature, PLoS e LWW - Guinness World Records 2022: First 3D-printed tortoise shell.
Data da publicação: 01 de setembro de 2024
ISSN: 2764-9466 (Vol. 6, nº 1, 2025)

Atenção

Este material utiliza a seguinte licença Creative Commons: Atribuição 4.0 Internacional (CC-BY 4.0).

Aviso

O presente trabalho é independente, sem vínculo com a instituição que guarda os restos mortais da múmia CIT8, tampouco com as universidades e instituições que os estudaram. O elemento motivador do capítulo é a criação de material didático para o ensino da técnica de aproximação facial, ao testar a possibilidade de se reconstruir uma face utilizando dados originalmente disponíveis em matérias de jornais, mídias online, livros e journals acadêmicos. Recomenda-se fortemente a leitura do estudo original de Saleem & El-Merghani (2024) intitulado “Paleoradiological and scientific investigations of the screaming woman mummy from the area beneath Senmut’s (1479–1458 BC) Theban tomb (TT71)[B_Saleem_2024].

Atenção

Caso encontre algum erro no material, sinta-se à vontade para informá-lo ao autor, o contato pode ser feito via redes sociais acadêmicas informadas no início do capítulo.

Introdução

A Múmia que Grita

Popularmente conhecida como a Múmia que Grita (cód. CIT8), os restos mortais de uma mulher desconhecida, atualmente sob a guarda do Museu Egípcio do Cairo, foi encontrada durante escavações efetuadas entre 1935 e 1936 pelo Motropolitan Museu, abaixo do Túmulo de Serviço de Semut na cidade de Deir el-Bahari (Egito). O caixão e outros acessórios como anéis encontrados na escavação, estão ainda hoje em exposição no Metropolitam Museum em Nova Iorque (Estados Unidos). Como não foi enfaixado o corpo revela muitos detalhes anatômicos, no entanto, uma característica esturtural que chama a atenção é a expressão facial, com a boca aberta, lembrando a configuração de uma pessoa que grita. No ano de 2024, um caminhão com um tomógrafo se deslocou até o Museu Egípcio do Cairo, onde a múmia teve seu corpo inteiro escaneado. Segundo as análises esfetuadas pelas doutoras Sahar N. Saleem e Samia El-Merghani, a tomografia revelou um indivíduo do sexo feminino, que morreu por volta dos 48 anos (±14), que tinha aproximadamente 1.54 m de altura em vida, com desgaste dentário leve e moderado, sem a presença de doenças periodontais ou cáries e com alterações degenerativas leves das articulações. As autoras observaram algumas modificações estruturais entre os dados colhidos nos anos 1930 e os atuais, como a desconfiguração da peruca e perda de tecido na parede abdominal. Em relação aos órgãos, conseguiram identificar os tecidos do corações, pulmão, figurado, baço, rins e intestinos, posicionados próximos às suas regiões anatômicas. Pelas condições do crânio não foram encontrada evidências de excerabração; os orifícios vaginal e anal dilatados sugerem o uso de uma embalagem, outrora presente para tampar as aberturas. Não foi possível determinar a causa da morte e as autoras indicaram a possiblidade dos embalsamadores terem recebido o corpo já com o enrigecimento muscular facial, o que os teria impossibilitado de fechar a boca de CIT8. Um aspecto interessante do estudo se relaciona com os caros materiais utilizados no processo de embalsamamento, o que contradiz a crença tradicional de que a não remoção das vísceras envolvia um processo de mumificação de menor qualidade.

Materiais e Métodos

Conceitos, Software e Hardware

A reconstrução facial forense (RFF) ou aproximação facial forense (AFF) [B_Stephan_2015], é uma técnica auxiliar de reconhecimento que reconstrói/aproxima a face de uma pessoa a partir do seu crânio e é utilizada quando há escassa informação para a identificação de um indivíduo [B_Pereira_2017]. Nota-se que a técnica não se trata de identificação, como aquelas oferecidas por DNA ou análise comparativa de arcos dentários, mas sim de reconhecimento que pode levar à posterior identificação [B_Baldasso_2020].

O presente trabalho utiliza o mesmo passo-a-passo abordado em [B_Abdullah_2022] e [B_Moraes_2024], iniciado com a configuração do crânio na cena 3D, seguindo com a projeção do perfil e estruturas da face a partir de dados estatísticos, gerando o volume do rosto com o auxílio da técnica de “deformação” anatômica [B_Quatrehomme_1997] e o acabamento com o detalhamento da face, configuração dos pelos, da peruca e geração das imagens finais.

O processo de modelagem foi efetuado no software Blender 3D, rodando o add-on OrtogOnBlender (http://www.ciceromoraes.com.br/doc/pt_br/OrtogOnBlender/index.html) e seu submódulo ForensicOnBlender [B_Pinto_2020], ambos desenvolvidos pelo primeiro autor do presente material. O programa e o add-on são gratuitos, de código aberto e multiplataforma, podendo rodar no Windows (>=10), no MacOS (>=BigSur) e no Linux (=Ubuntu 20.04).

Foi utilizado um computador desktop com as seguintes características: Processador Intel Core I9 9900K 3.6 GHZ/16M; 64 GB de memória RAM; GPU GeForce 8 GB GDDR6 256-bit RTX 2070; Placa mãe Gigabyte 1151 Z390; SSD SATA III 960 GB 2.5”; SSD SATA III 480 GB 2.5”; Water Cooler Masterliquid 240V; Linux 3DCS (https://github.com/cogitas3d/Linux3DCS), baseado no Ubuntu 20.04.

Atenção

Além da AFF o OrtogOnBlender é utilizado para o planejamento de cirurgia ortognática [B_Cunha_2020] [B_Lobo_2022], rinoplastia [B_Sobral_2021], fraturas mandibulares [B_Facanha_2021], expansores mandibulares de bebês [B_Duarte_2023], documentação urológica [B_Nascimento_2023], próteses veterinárias [B_Taub_2024], próteses faciais [B_Salazar_2022] e outros, por usuários de 30 países, contemplando 4 continentes.

Aproximação Facial Forense

Para executar uma AFF é imprescindível que se tenha uma série de informações sobre o crânio. Isso inclui fotografias em diferentes vistas, medidas lineares e análises antropológicas. Em alguns casos, há a disponibilidade de imagens radiográficas, exames de imagem e outros dados.

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Fig. 18 Reconstrução do crânio.

O crânio de CIT8 foi reconstruído tomando como base os dados presentes em [B_Saleem_2024], onde algumas figuras com pontos devistas diferentes informam as proporções anatômicas e, graças à dimensão do úmero foi possível colocar as projeções na escala real. O crânio de uma doadora virtual foi deformado sobre as projeções na escala, utilizando uma câmera virtual a partir do ponto de vista das imagens originais, com a mandíbula rotacionada de modo compatível a da tomografia (Fig. 18, A e B). O posicionamento dos dentes também foi trabalhado a partir dos dados presentes na tomografia (Fig. 18, C) e ajustado posteriormente às fotos mais antigas da múmia. Depois que as projeções iniciais se mostrarem compatibilizadas, a mandíbula foi rotacionada na oclusão dentária (Fig. 18, D).

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Fig. 19 Processo inicial de aproximação facial.

Com o crânio reconstruído, a mandíbula na oclusão e rotacionado ao plano de Frankfurt, alguns pontos anatômicos foram distribuídos sobre a superfície e uma série de limites estruturais foram fornecidos. Tais projeções tomam como base medidas efetuadas em tomografias computadorizadas de indivíduos vivos com ancestralidades diferentes [B_Moraes_2021] [B_Moraes_2022]. Os limites do crânio de CIT8 estão dentro do esperado para a média e proporção dos adultos a partir do ponto da glabela (Fig. 19, A). Duas videoaulas sobre a metodologia de projeção estão disponíveis de modo online em: aula 1, aula 2. Marcadores de espessura do tecido mole foram distribuídos pela superfície do crânio (Fig. 19, B), seguindo a tabela de medidas relacionadas a egípcios modernos do sexo feminino e com IMC médio [B_El-Mehallawi_2001]. A projeção nasal foi efetuada utilizando três dados diferentes, a projeção pelo método russo, pelo método de Manchester e pela metodologia complementar desenvolvida pelo autor do presente trabalho junto a uma equipe de especialistas, utilizando medidas efetuadas em tomografias computadorizadas de pessoas vivas e advindas de ancestralidades diferentes [B_Moraes_2021b] [B_Moraes_2022]. Uma video aula sobre a abordagem pode ser acessada de modo online. Com os dados da espessura de tecido mole e projeção nasal, foi possível efetuar o traçado do perfil da face (Fig. 19, B). Para complementar os dados estruturais, a tomografia de uma doadora virtual, reconstruída no próprio OrtogOnBlender [B_Moraes_2021c], foi posicionada no mesmo plano que a de CIT8 (Fig. 19, C) e ajustada de modo que o crânio da doadora se equiparasse aquele que seria aproximado (Fig. 19, D), refletindo a deformação no tecido mole e, logo, gerando uma face estruturalmente próxima ao que seria em vida [B_Quatrehomme_1997]. Uma videoaula abordando a “deformação” anatômica pode ser acessada de modo online.

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Fig. 20 Processo final de aproximação facial.

Seguindo a abordagem disponível em [B_Abdullah_2022], um busto previamente preparado foi importado e deformado sobre os dados interpolados das projeções e da deformação anatômica (Fig. 20, A e B). Na sequência as marcas de expressão foram esculpidas digitalmente, visando compatibilizar a face com a idade do indivíduo no momento da sua morte; também foram modeladas a peruca e pelos faciais (Fig. 20, C). Para a iluminação e pigmentação da pele, foram tomadas como referência a abordagem descrita no estudo de Moraes & Habicht (2024) [B_Moraes_2024b], baseadas na arte egípcia e estudos populacionais (Fig. 20, D). Depois da face finalizada foram geradas as imagens para apresentação do rosto.

Resultados e Discussão

Foram renderizadas nove imagens para a apresentação da face. Três na versão objetiva, em escala de cinza, pois não se tem a informação da coloração da pele; com os olhos fechados, pois não se sabe com exatidão o formato dos olhos abertos; com cabelos curtos, segundo dados de [B_Saleem_2024] e sem a peruca (Fig. 21, Fig. 22, Fig. 23). Três imagens fornecem a estrutura facial post mortem com a mandíbula na posição atual e coloração dos cabelos segundo dados de [B_Saleem_2024] (Fig. 24, Fig. 25, Fig. 26). As outras três imagens contém elementos subjetivos e mais artísticos, como coloração da pele e dos olhos, estes abertos e a peruca segundo dados de [B_Saleem_2024] (Fig. 27, Fig. 28, Fig. 29).

Ainda que se tenha tomado todos os cuidados no momento da reconstrução tridimensional do crânio, trata-se de uma projeção derivada das informações de um trabalho de terceiros e pode conter uma margem de erro em relação ao a anatomia original. Mesmo com essa potencial limitação, o presente estudo permitiu a criação de imagens didáticas que mostram o rosto não apenas em vida, mas também no post mortem, complementando o estudo original de Saleem & El-Merghani (2024) e oferecendo aos interessados uma descrição gráfica mais ampla, a exemplo do que foi feito na aproximação facial do rei Seqenenre-Taa-II [B_Moraes_2024c]. Em ambos os casos (CIT8 e Seqenenre-Taa-II) os elementos visuais da versão post mortem foram abrandados para não chocar o grande público, que é o objetivo final desta abordagem.

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Fig. 21 Objetiva - 3/4.

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Fig. 22 Objetiva - frontal.

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Fig. 23 Objetiva - perfil.

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Fig. 24 Post mortem - 3/4.

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Fig. 25 Post mortem - frontal.

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Fig. 26 Post mortem - perfil.

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Fig. 27 Final - 3/4.

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Fig. 28 Final - frontal.

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Fig. 29 Final - perfil.

Conclusão

O presente capítulo objetivou apresentar uma aproximação facial forense a partir de dados disponíveis digitalmente. Aplicando uma metodologia estabelecida anteriormente, foi possível apresentar novas imagens em um trabalho com licença aberta e que pode motivar estudos e debates, além de evidenciar um pouco da história de CIT8, a Múmia que Grita.

Agradecimentos

Ao Dr. Richard Gravalos, por ceder a tomografia computadorizada utilizada neste estudo. Às doutoras Sahar N. Saleem e Samia El-Merghani por publicarem o artigo sob licença Creative Commons, viabilizando este e outros estudos que certamente serão publicados no futuro.

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