A Aproximação Facial Forense de Ramsés II: Abordagens Artísticas e Antropológicas Acerca das Múmias Reais¶
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Aviso
O presente trabalho é independente, sem vínculo com a instituição que guarda os restos mortais de Ramsés II, tampouco com as universidades e instituições que estudaram-no. O elemento motivador do capítulo é a criação de material didático para o ensino da técnica de aproximação facial, ao testar a possibilidade de se reconstruir uma face utilizando dados originalmente disponíveis em matérias de jornais, mídias online, livros e journals acadêmicos.
Atenção
Caso encontre algum erro no material, sinta-se à vontade para informá-lo aos autores, o contato pode ser feito via redes sociais acadêmicas informadas no início do capítulo.
Introdução¶
Quem foi Ramsés II¶
Ramsés II, também conhecido como Ramsés o Grande, governou o Egito por incríveis 66 anos (1279 AC-1312 AC) durante a 19ª Dinastia [C_Wilkinson_2023]. Era filho de Seti I e Tuya, tendo sido escolhido como príncipe herdeiro durante a adolescência. Teve 8 esposas, cuja mais conhecida era Nefertari e com elas gerou uma prole de aproximadamente 100 filhos, apontando o 13º, Merenptah como príncipe regente. Também foi um prolífico construtor de obras públicas e se envolveu em inúmeras campanhas militares que visavam a recuperação de territórios perdidos [C_Hawass_2018].
Análises da Múmia¶
Em 1881 a sua múmia foi descoberta em Deir el-Bahari e em 1886 foi solenemente aberta e estudada. Os especialistas se depararam com um homem de 1.72 m, cuja musculatura indicava os sinais da senilidade [C_Maspero_1889]. Mais estudos foram efetudos no início do século XX, onde notaram vários aspectos como os cabelos amarelados, as artérias temporais bastante pronunciadas e tortuosas, curiosas marcas na região da calvície e o formato do crânio que indicava o tipo egípcio mas também com características estrangeiras [C_Smith_1912]. Na década de 2010, especialistas procederam com um exame de tomografia computadorizada no corpo do faraó, incrementando as informações acerca da sua condição física. Desgastes nos dentes e em algumas juntas foram observados, indicando a presença de doenças geriátricas. A idade foi estabelecida em um intervalo de 87 a 92 anos, bem como a altura em 1.70 m. A condição geral dos dentes de Ramsés II era ruim, com acentuado desgaste, reabsorção alveolar e um abcesso que poderia ter provocado muita dor ao faraó [C_Hawass_2018]; o que corrobora com estudos efetuados em múmias do antigo Egito, onde as condições dentárias eram em geral precárias e ainda mais problemáticas em indivíduos de idade avançada [C_Austin_2022]. Foram notados alguns aspectos curiosos no processo de mumificação, como a inserção de ossos de animais e o uso de sementes de plantas, para manter o formato original da superfície, como por exemplo, na região do nariz [C_Hawass_2018].
As Aproximações Faciais Anteriores¶
No ano de 2004 uma aproximação facial foi criada especialmente para o documentário “Rameses; Wrath of God or Man?”, veiculado pelo Discovery Channel. Tal trabalho, desenvolvido por Caroline Wilkinson, se basou em cefalogramas e fotografias para a reconstrução 3D do crânio, que seria base para a reconstrução facial. Em 2022, dezoito anos depois, uma nova AFF foi efetuada por Wilkinson e equipe, também para um documentário (L’Egypte, une passion française), desta feita utilizando informações advindas da tomografia computadorizada do faraó. O trabalho, publicado posteriormente no Journal of Archaeological Science, apresentou duas versões do rosto, uma com 45 anos de idade e outra com 90 [C_Wilkinson_2023].
O Debate sobre a Aparência¶
Além dos journals acadêmicos, que há décadas vêm abordando questões relacionadas ao Egito de modo formal e geralmente revisado por pares, atualmente com a popularização da internet é possível atestar um amplo debate sobre como poderia ser a aparência dos egípcios antigos, principalmente em relação às múmias reais. No caso de duas aproximações efetuadas pelos autores, a do faraó Amenhotep III [C_Cost_2024] e o do rei Seqenenre-Taa-II [C_Moraes_2024], houveram manifestações públicas de desacordo em relação a aparência, onde alguns grupos com pontos de vista diferentes, se colocaram contra as características do primeiro por parecer “europeu demais” e do segundo por parecer “africano demais”. Alguns argumentos oferecidos para suportar tais observações se sustentam basicamente nos seguintes pontos:
Que se deveria utilizar obras de arte egípcia como referência de coloração da pele;
Que se deveria utilizar estátuas atribuídas aos reis, para servirem como base do aspecto facial;
Que dados antropométricos e de DNA indicariam uma cor mais clara ou escura para a pele.
Os argumentos foram analisados pela leitura de material oferecido e os resultados podem ser visto mais a frente no presente documento, não apenas em relação a Ramsés II, mas também a outras Múmias Reais.
Materiais e Métodos¶
Conceitos, Software e Hardware¶
A reconstrução facial forense (RFF) ou aproximação facial forense (AFF) [C_Stephan_2015], é uma técnica auxiliar de reconhecimento que reconstrói/aproxima a face de um indivíduo a partir do seu crânio e é utilizada quando há escassa informação para a identificação de um indivíduo [C_Pereira_2017]. Nota-se que a técnica não se trata de identificação, como aquelas oferecidas por DNA ou análise comparativa de arcos dentários, mas sim de reconhecimento que pode levar à posterior identificação [C_Baldasso_2020].
O presente trabalho utiliza o mesmo passo-a-passo abordado em [C_Abdullah_2022] e [C_Moraes_2024], iniciado com a configuração do crânio na cena 3D, seguindo com a projeção do perfil e estruturas da face a partir de dados estatísticos, gerando o volume do rosto com o auxílio da técnica de “deformação” anatômica [C_Quatrehomme_1997] e o acabamento com o detalhamento da face, configuração dos cabelos, da indumentária e geração das imagens finais.
O processo de modelagem foi efetuado no software Blender 3D, rodando o add-on OrtogOnBlender (http://www.ciceromoraes.com.br/doc/pt_br/OrtogOnBlender/index.html) e seu submódulo ForensicOnBlender [C_Pinto_2020]. O programa e o add-on são gratuitos, de código aberto e multiplataforma, podendo rodar no Windows (>=10), no MacOS (>=BigSur) e no Linux (=Ubuntu 20.04).
Foi utilizado um computador desktop com as seguintes características:
Projeção Estrutural do Crânio¶
Para que uma AFF seja efetuada, é essencial que haja um crânio. No caso de Ramsés II, foi necessário reconstruir os dados a partir de imagens de referência e medidas disponíveis em variadas obras, publicadas ao longo de mais de um século [C_Maspero_1889] [C_Smith_1912] [C_Harris_1980] [C_Hawass_2018] [C_Habicht_2021]. Em um primeiro momento, as fotografias da múmia foram dimensionadas para a escala real e posteriormente informações de estruturas internas, sendo medidas e ângulos, foram desenhadas e ajustadas dentro das fotografias. Foi possível atestar que a mandíbula encontrava-se levemente aberta, sendo ajustada à possível oclusão dentária (Fig. 35).
Uma vez que as projeções eram compatíveis com a escala real, cada uma delas foi posicionada nos eixos correspondentes: a visão frontal cobria o os eixos X e Z, a visão lateral os eixos Y e Z e a visão superior os eixos X e Y (Fig. 36). As projeções e estruturas não contemplam todas as estruturas do crânio, o que não é um problema, posto que, as regiões ausentes serão preenchidas pelos dados presentes no crânio do doador virtual.
Aproximação Facial Forense¶
O crânio de um doador virtual com retrognatismo mandibular foi disponibilizado a partir do banco de modelos tridimensionais pertencente aos autores. Esse crânio foi ajustado/deformado até que as suas características se adequassem às projeções estabelecidas na etapa anterior (Fig. 37, A). Para avaliar a estrutura do crânio, alguns pontos anatômicos foram distribuídos pela superfície e projeções foram posicionadas utilizando mensurações efetuadas em tomografias de indivíduos vivos [C_Moraes_2021] [C_Moraes_2022]. Segundo tais projeções, o crânio está dentro dos parâmetros estruturais esperados em uma vista frontal (Fig. 37, B).
Uma série de marcadores de espessura de tecido mole, baseado em uma população de egípcios modernos foi distribuída pelo crânio [C_El-Mehallawi_2001] e os dados foram complementados pela projeção nasal, baseada em mensuração de medidas e ângulos efetuadas em tomografias de pessoas vivas [C_Moraes_2021b] [C_Moraes_2022]. Graças a esses dados foi possível traçar o perfil da face (Fig. 37, C). Uma videoaula sobre a técnica de projeção nasal pode ser acessada em: Sistema Complementar de Projeção Nasal em Reconstruções/Aproximações Faciais Forenses.
Para reforçar a coerência anatômica do rosto e cobrir regiões que não foram contempladas pelas projeções anteriores, uma tomografia computadorizada foi reconstruída [C_Moraes_2021c] a partir dos dados de um doador virtual, permitindo o processo de deformação anatômica [C_Quatrehomme_1997], que consiste em ajustar a estrutura até que o crânio do doador se converta no crânio, neste caso de Ramsés II, refletindo a deformação no tecido mole e gerando um rosto que seria compatível com o do faraó em vida (Fig. 37, D e E). Uma videoaula de demonstração da técnica pode ser acessada em: ForensicOnBlender - Virtual donor.
As projeções baseadas em pontos anatômicos anteriormente, também estabelecem uma série de limites e posicionamentos das estruturas faciais, servindo como referência e avaliador da deformação anatômica, que neste caso respeitou todas as projeções esperadas (Fig. 37, F). Para uma melhor compreensão da metodologia de projeção de estruturas faciais, foram disponibilizadas duas videoaulas aos interessados em: aula 1, aula 2.
Seguindo a abordagem descrita em [C_Abdullah_2022], o busto de outra aproximação facial foi importado e ajustado, interpolando os dados de todas as projeções efetuadas (Fig. 37, G), marcas de expressão compatíveis com a idade avançada foram esculpidas (Fig. 37, H) e a ponta do nariz foi rotacionada seguindo o grau de decaimento [C_Shastri_2021] extrapolado para a idade de Ramsés II (Fig. 37, I). A coloração dos cabelos (com potencial pigmentação artificial) e da pele seguiram a abordagem de [C_Wilkinson_2023] (Fig. 37, J). Um nemés foi modelado especialmente para o presente trabalho (Fig. 37, K) e assim que a indumentária foi finalizada, as imagens finais do processo foram geradas.
Resultados e Discussão¶
Comparação com Estátuas¶
Um dos argumento mais comuns utilizados por quem critica AFFs relacionadas ao Egito Antigo, é a de que as estátuas mostrariam a verdadeira face dos faraós que foram redividos digitalmente. Pensando em analisar a questão de modo mais objetivo, as AFF foram comparadas com as estátuas, seja tridimensionalmente ou por imagens a partir do mesmo ponto de vista.
Inicialmente comparou-se o rosto de Ramsés II básico, ainda com a estrutura de jovem adulto em relação a uma estátua atribuída a ele. A malha da estátua foi redimensionada e alinhada a AFF (Fig. 38, A1) e recebeu dois cortes para avaliação do perfil (Fig. 38, A4) e axial na altura do nariz (Fig. 38, A5). Também comparou-se lado a lado (Fig. 38, A2) e lateralmente (Fig. 38, A3). Em relação à estátua, o formato geral do rosto parece acompanhar o da AFF, percebe-se também uma boa compatibilidade na região nasal, mas o mesmo não acontece na região dos lábios e da mandíbula, pois a estátua parece retratar alguém com prognatismo mandibular (classe III) e não retrognatismo (clase II) que parece ser o caso de Ramsés II. Além disso, a testa da estátua parece ser mais grácil quando comparada com a AFF. Outras duas comparações foram efetuadas, utilizando imagens e posicionamento da câmera no espaço 3D. Em uma delas o nariz também é compatível, o retrognatismo é de certa forma abordado, mas em muito menor grau do que aquele da AFF (Fig. 38, B1 e B2). O mesmo se percebe na outra comparação, onde o nariz é compatível, sendo a mandíbula da estátua muito mais projetada e a testa mais grácil do que a da AFF (Fig. 38, B1 e B2).
O mesmo processo foi utilizado com o faraó Amenhotep III, onde uma AFF [C_Cost_2024] foi comparada com três estátuas atribuídas a ele. No caso deste faraó, optou-se por utilizar os dados de indivíduos com alto índice de massa corporal (IMC), e tal robustez estrutural pareceu compatível com a primeira estátua comparada (Fig. 39, A1). O nariz também parece ter acompanhado o padrão (inclusive frontalmente) e da mesma forma que aconteceu com Ramsés II, os lábios da estátua estavam mais a frente do que o da AFF, além da testa da estátua que também se mostrou mais grácil (Fig. 39, A4). O segundo teste foi o que se mostrou menos compatível, talvez pela diferença de idade, pois a estátua parece ilustrar um indivíduo bem mais jovem do que o da AFF (Fig. 39, B1-B4). Com a terceira estátua o padrão geral se repetiu, sendo o nariz compatível (significativamente na vista frontal e de perfil), a testa da estátua mais grácil e os lábios da estátua mais projetados (Fig. 39, C1-C4).
Outro teste, desta feita com a AFF de Tutancâmon [C_Moraes_2023], foi efetuado utilizando como referência uma máscara atribuída a ele. Aqui a compatibilidade da testa foi maior, a do nariz se mostrou significativa e novamente, seguindo os testes anteriores, os lábios da máscara se posicionaram mais a frente do que aqueles da AFF (Fig. 40, A-D).
Região |
Estátua |
---|---|
Testa |
Mais grácil que a AFF |
Formato do rosto |
Relativamente compatível |
Nariz |
Geralmente compatível |
Lábios e mento |
Geralmente mais projetados do que a AFF |
Analisando a amostra abordada e assumidas as limitações, é possível inferir que, quando as estátuas são comparadas às AFFs, algumas regiões têm a tendência de serem compatíveis, mas não a ponto de se tratar de uma obra realista. A arte do egito antigo parece respeitar um estilo geral, adequando as estruturas a algumas características dos reis em questão, como o formal geral do nariz e do rosto, mas suavizando a região da testa, geralmente mais grácil e projetando significativamente a região dos lábios e do mento (Tabela 4). Respeitadas as características do estilo, talvez as estátuas possam ser tomadas como base para a projeção do que seria a face do rei, mas não parecem ser confiáveis em seu estado original (não-realista).
A Questão das Pinturas¶
Além das estátuas, outra referência que se costuma utilizar como argumento para a coloração da pele das AFFs relacionadas ao Antigo Egito é justamente aquela relacionada às pinturas. Quando foi apresentada a face de Amenhotep III [C_Cost_2024], era comum em debates online, a referências de uma imagem de perfil, atribuída ao faraó, cujo retrato parecia conter clara evidência de coloração de pele compatível com um africano preto. Trata-se de uma imagem presente no túmulo de Onsou, mas o problema é que, existem diferentes versões do material, entre elas uma pele mais clara do que as imagens apregoadas nos debates. O museu do Louvre tem em sua coleção, alguns fragmentos da cabeça de Amenhotep III, encontrados em sua tumba, apresentando colorações diferentes em fotografias efetuados por visitantes e o material disponível no site oficial da instituição, descrevendo-a como: “cabeça, peruca curta e encaracolada, uraeus, barba falsa reta, colar ousekh”.
Frente a heterogeneidade da configuração das capturas, é mister observar estudos que abordam a questão do envelhecimento das tintas com o passar dos anos, além é claro, do padrão relacionado a representação dos egípcios na sua arte. Um estudo de 2017 analisou a coloração atual de um painel encontrado no túmulo de Seti I (pai de Ramsés II), estudando seus pigmentos e comparando-o com pinturas efetuadas há mais de um século por um artista replicador, mostrando cores mais vivas e coerentes com o que seria estado original da obra. O que aconteceu no caso do painel foi que, houve um escurecimento com o passar dos anos, principalmente no fundo da cena, nos cabelos da figura feminina e na pele de ambos [C_Coppola_2017].
Há uma presente diferenciação do povo egípcio mesmo entre indivíduos de sexo diferentes, profissões, assim como em relação aos núbios, geralmente representados com a pele mais escura, próxima ou igual a cor preta. O fato é que, mesmo nas representações egípcias há uma significativa dificuldade de se atribuir uma coloração padronizada, mas o termo pardo, moreno ou honey-brown (como descrito em [C_Wilkinson_2023]), com toda a sua paleta de cores, poderia ser atribuído de modo seguro a AFFs relacionadas aquele povo. No caso de Amenhotep III a AAF utilizou um padrão dentro deste contexto, diferente do que afirmaram alguns debatedores ao descrevê-lo como branco ou excessivamente europeu. No caso de Seqenenre-Taa-II, aplicou-se uma tonalidade compatível com o supracitado painel, presente no túmulo de Seti I, utilizando como referência as cores mais vivas, compatíveis com a pintura original; mesmo assim recebeu críticas dos que acharam a pele da AFF excessivamente escura.
Embora a arte egípcia indique um meio termo entre o branco europeu e o preto africano, uma forma de resolver a questão é apresentar uma versão da AFF em escala de cinza, totalmente dessaturada, evidenciando mais o formato da face do que as questões relacionadas à cor da pele.
Ajuste e Atualização dos Dados¶
Na AFF de Ramsés II, executada por [C_Wilkinson_2023], os autores abordaram a questão da aparência física e potencial cor da pele, citando uma série de estudos, dentre eles, um abordava a grande polêmica dos tempos presentes, envolvendo a tonalidade da pele dos antigos egípcios. O estudo em questão indicava, através de medidas craniofaciais e dendogramas de distância euclidiana, que as amostras do Alto Egito Pré-Dinástico e o Baixo Egito Tardio eram mais compatíveis com europeus do Neolítico, com o norte da África e com a Europa do que com, por exemplo, a amostra da África subsaariana [C_Brace_1993]. Tal abordagem é corroborada por outro estudo (também citado em Wilkinson et al. (2023) envolvendo genoma de múmias, compreendendo 1300 anos no Antigo Egito e indicando que as múmias mais antigas contavam com ancestralidades mais próximas das populações do Oriente Próximo do que dos egípcios atuais e que recebeu uma mistura adicional de populações sub-saarianas apenas em tempos mais recentes [C_Schuenemann_2017]. No entanto, tais resultados foram criticados por alguns especialistas, que evidenciaram o problema do período estudado, indicando que 3000 anos de história estavam faltando. Além disso, uma análise utilizando 8 pares de STR das Múmias Reais, parecia indicar de modo claro, uma afinidade geralmente maior do que 90% com amostras da África subsaariana [C_Gourdine_2018]. Existem, entretanto, algumas limitações envolvendo tais argumentos, uma delas é a atual impossibilidade de se repetir o teste de afinidade, uma vez que o sistema utilizado, o PopAffiliator, que é online (http://cracs.fc.up.pt/popaffiliator), não está mais disponível, pois site está fora do ar há um bom tempo. Os autores do presente estudo buscaram alternativas, primeiro entrando em contato com os os autores da calculadora e recebendo a resposta de um coautor, que seria melhor procurar o autor principal do estudo, no entanto a pergunta foi enviada a toda a equipe e não foi recebida nenhuma outra resposta. Outra forma abordada foi o acesso ao site WebMachine que recupera páginas que atualmente estão fora do ar, mas ao enviar os dados, a página de retorno indicava “Service Unavaiable”. Restou a análise do próprio artigo sobre a ferramenta, publicado em 2011 [C_Pereira_2011], onde os autores informam que a precisão da calculadora chegou 86-86.77% quando utilizados 15 ou 17 STRs, o que difere dos 8 utilizados para aferir a afiliação, extraídos do estudo do DNA das Múmias Reais e publicado em 2010 [C_Hawass_2010]. Além disso os autores do PopAffiliator informam que a “os pesquisadores devem estar sempre atentos que esta informação é apenas um primeiro indício, que deve ser confirmado por outras evidências genéticas e não genéticas se a filiação populacional for realmente essencial para a resolução de um caso” [C_Pereira_2011].
Um outro estudo também foi indicado como referência para a coloração da pele dos antigos egípcios. Segundo tal estudo, que analisou uma série de dados antropométricos de Múmias Reais, o fator da divisão da tíbia pelo fêmur, indicava que a estimativa da altura dos antigos egípcios, utilizando tais medidas, funcionaria melhor com a equação dos africanos pretos do que com a dos europeus brancos [C_Robins_1983]. Os dados de tal artigo, atrelados ao estudo de [C_Gourdine_2018], foram utilizados como argumento a favor da coloração da pele dos antigos egípcios com uma configuração compatível com a de africanos pretos.
O artigo de [C_Robins_1983] analisou os dados de 14 Múmias Reais, mas excluiu Ramsés II, embora contasse com os dados do mesmo. Buscando um cenários mais amplo e com as informações atualizadas, os autores incrementaram a amostra com dados de mais Múmias Reais e atualizaram as informações com os estudos mais recentes de análises e mensurações a partir de tomografias computadorizadas [C_Hawass_2018] [C_Saleem_2021] [C_Saleem_2021b].
Um dos problemas deste tipo de estudo é que os resultados alteram significativamente, caso alguma medida não seja feita de modo preciso. No caso de Ramsés II, os dados presentes no artigo de 1983 apresentou discrepâncias com os mais atuais, e curiosamente, resultou em uma posição levemente mais compatível com a tendência dos africanos pretos do que com a dos europeus brancos e o oposto aconteceu com Amenhotep I, de modo ainda mais exacerbado. Todos os resultados foram mantidos, tanto os mais antigos quanto os atualizados e uma linha de tendência relacionada às Múmias Reais, se projetou basicamente no meio das outras duas (Fig. 41).
Em face a todos estes resultados, a abordagem utilizada por [C_Wilkinson_2023] para a escolha da tonalidade da pele, se mostrou bastante satisfatória e por isso foi replicada na presente AFF.
Aproximação Facial Forense¶
Foram gerados três grupos de imagens:
Um em escala de cinza, mais objetivo, com os olhos fechados e contanto com elementos presentes na análise da múmia real (Fig. 42, Fig. 43, Fig. 44);
Um colorido, com os olhos abertos, com elementos especulativos como a cor da pele e dos cabelos e dos olhos (Fig. 45, Fig. 46, Fig. 47);
Um colorido, com os olhos abertos, com elementos especulativos como a cor da pele, olhos e paramentado com indumentária real (Fig. 48, Fig. 49).
Conclusão¶
O presente trabalho foi bem sucedido em aproximar uma face a partir de dados disponibilizados digitalmente, fornecendo imagens novas e um trabalho com licença aberta, para ser acessado, estudado e debatido pelo público geral e por especialistas das áreas tangenciadas.
Agradecimentos¶
Ao Dr. Richard Gravalos, por ceder a tomografia computadorizada utilizada neste estudo. Ao grupo de usuários do OrtogOnBlender, em especial aos cirurgiões dentistas, pelas valiosas observações acerca da estrutura das arcadas dentárias de Ramsés II. Ao Dr. Thiago Beaini e ao Dr. Rodrigo Dornelles pela leitura, observações e correções no material.
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