A Aproximação Facial do Controverso Crânio Atribuído a Nicolau Copérnico (1473-1543)

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Cicero Moraes
* 3D Designer, Arc-Team Brazil, Sinop-MT, Brasil - Bacharel em Marketing, Dr. h. c. FATELL/FUNCAR (Brasil) e CEGECIS (México) - Membro da Mensa Brasil e da Intertel - Revisor convidado: Elsevier, Springer Nature e PLoS - Guinness World Records 2022: First 3D-printed tortoise shell.

Thiago Beaini
* Cirurgião Dentista, Professor Assistente - Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia-MG
Data da publicação: 20 de março de 2024
ISSN: 2764-9466 (Vol. 5, nº 1, 2024)

Atenção

Este material utiliza a seguinte licença Creative Commons: Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0).

Aviso

O presente trabalho é independente, sem vínculo com a instituição que guarda os restos mortais de Nicolau Copernico, tampouco com as universidades e instituições que estudaram-no dentro do escopo forense. O elemento motivador do capítulo é a criação de material didático para o ensino da técnica de aproximação facial, ao testar a possibilidade de se reconstruir uma face utilizando dados originalmente disponíveis em matérias de jornais, livros e journals acadêmicos.

O capítulo aborda a aproximação facial de um crânio descoberto no início dos anos 2000 e atribuído ao astrônomo Nicolau Copérnico. Para a reconstrução do crânio foram utilizadas referências disponíveis em sites de notícia, livros e artigos publicados em periódicos acadêmicos. O trabalho procurou responder algumas críticas relacionadas à técnica de reconstrução facial, bem como comparar o resultado atual com aquele apresentado em 2005, resultando em uma significativa compatibilidade no terço médio (perfil), além de uma grande compatibilidade estrutural com o retrato atribuído ao astrônomo, pintado após a sua morte, em 1580.

Introdução

A Vida de Copérnico

Mikołaj Kopernik (polonês), Nicolaus Copernicus (latim) ou Nicolau Copérnico (português), considerado o pai da atronomia moderna [D_Schiermeier_2005], nasceu em 1473 na cidade de Toruń, a época parte da Prússia Real, hoje Polônia [D_Zielinska_2007]. Niklas Koppernigk, pai de Copérnico, aparentemente faleceu quando o filho tinha por volta de 10 anos de idade [D_Prowe_1853] deixando viúva Barbara Watzenrode. Esta felizmente contou com o apoio financeiro do irmão, o então cônego da Catedral de Frombork, Lukas (Łukasz) Watzenrode, que viria a se tornar bispo de Varmia. Copérnico iniciou os estudos na Universidade de Cracóvia (hoje Universidade Jagielloniana), junto com seu irmão Andrew, em 1491, ao 18 anos de idade [D_Stopka_2023]. A instituição contatava com o ensino de Astronomia há 100 anos e, apesar do curso envolver Astrologia, algo comum na época, certamente a oportunidade permitiu que o interesse de Copérnico pelos astros florescesse. Em 1496 o tio de Nicolau o enviou para estudar Direito Canônico na Universidade de Bolonha. Já na posição de bispo, Lukas nomeou o sobrinho como cônego da Catedral de Frombork, na ocasião Copérnico recusou o cargo solicitando a permissão de mais tempo para que pudesse concluir os seus estudos e foi atendido. Retornou brevemente à Prússia e logo viajou para cursar Medicina na Universidade de Pádua (1501-1503). Ainda em 1503 recebeu o título de doutor em Direito Canônico pela Universidade de Ferrara [D_Zielinska_2007]. Nos materiais analisados não ficou muito claro se Copérnico finalizou todos os cursos superiores que participou, principalmente o de Artes Livres em Cracóvia (do qual não se graduou segundo o Dr. Paul Czartoryski) e o de Medicina em Pádua. Outra situação curiosa envolve o aparente descontentamento com o sacerdócio ou cargo religioso semelhante, os quais sempre se esquivou ainda que permanecesse ligado à Igreja Católica de uma forma ou de outra. Posteriormente, a posição de cônego permitiu a ele se dedicar aos estudos de astronomia com a constância e os recursos necessários e disponíveis na época. De 1514 a 1573 ele escreveu a sua obra prima, o De Revolutionibus Orbium Coelestium, onde propunha que, diferente do que era formalmente aceito na época, a Terra não estava em uma posição fixa com os demais astros a circundando, mas ela orbitava o Sol (heliocentrismo), este sim o centro de um sistema composto por vários planetas orbitando-o. Há uma série de detalhes significativamente interessantes envolvendo a publicação do seu livro, desde algumas intervenções no título até a apresentação, o que moderou a crítica religiosa, pois tratar-se-ia apenas de hipóteses matemáticas. O fato é que Copérnico não viu a sua obra ser distribuída, pois faleceu no ano em que ela foi publicada, 1573, aos 70 anos de idade [D_Prowe_1853].

A Descoberta dos Restos Mortais

Nicolau Copérnico foi enterrado na Catedral de Frombork, onde em 2005 uma junta de especialistas afirmaram ter encontrado os seus restos mortais depois de um amplo trabalho de pesquisa [D_Zielinska_2007]. O trabalho havia iniciado dois anos antes, quando a equipe liderada pelo professor Dr. Jerzy Gąssowski (1926-2021) havia iniciado uma busca no túmulo do tio do astrônomo, Lukas Watzenrode. Em 2004 descobriram um crânio fortemente danificado e partes de um esqueleto, dentre um dos 16 altares da catedral. Na ocasião o professor Gąssowski afirmou que tinha 97% de certeza sobre os restos pertencerem a Copérnico, mas admitiu que apenas um teste de DNA poderia confirmar os achados [D_Schiermeier_2005]. Em julho de 2005 o Centralne Laboratorium Kryminalistyczne Policji recebeu a solicitação de uma reconstrução facial a partir de um crânio incompleto (sem mandíbula) não identificado, contendo apenas a informação de que se tratava de um homem de 70 anos de idade. Fotografias foram tomadas e serviram como base para a aproximação de como seria a face, baseado na abordagem de M.M. Gerasimov (metodo russo de reconstrução facial forense) e tal trabalho foi utilizado na apresentação da pesquisa, em novembro de 2005 [D_Schiermeier_2005] [D_Policji_2019]. No ano de 2009 foi publicado um artigo contendo os resultados do teste de DNA mitocondrial (mtDNA) que atestou a compatibilidade do material extraído de 3 molares superiores com o fêmur e também comparou-o com dois fios de cabelos encontrados em um calendário que fora propriedade de Nicolau Copérnico. O estudo também atestou que os restos pertenceram a um indivíduo do sexo masculino, com o olhos potencialmente claros e azuis [D_Bogdanowicz_2009]. No ano de 2010 uma cerimônia marcou o segundo enterro dos restos mortais atribuídos a Copérnico, com a presença do Arcebispo Metropolitano Józef Życiński, autoridades e a imprensa [D_PAP_2010]. No 480º aniversário da morte do astrômono, em 2023, um grande evento foi realizado nas dependências da Catedral de Frombork, com diversas homenagens prestadas no túmulo de Copérnico.

A Controvérsia Envolvendo os Achados

Assim que a descoberta dos supostos restos mortais de Copérnico foi noticiada, uma série de especialistas levantaram questões envolvendo o trabalho, indicando potenciais incongruências entre as informações apregoadas e os dados disponíveis para sustentá-las. Entre as críticas estava a ausência de dados detalhados sobre a metodologia utilizada para aferir a idade do indivíduo, aparentemente não presente no relatório geral dos achados. Uma análise efetuada a partir de uma gravura do palato e da arcada dentária do crânio atribuído a Copérnico, indicou uma média de idade entre 18 e 42 anos (com o intervalo de confiança entre 14 e 58). Além das questões envolvendo a idade, a correspondência da reconstrução facial com a imagem conhecida de Copérnico não poderia ser tomada como robusta, devido a sua arbitrariedade. Como não era possível saber o estilo dos cabelos, pigmentação da pele, estrutura da boca, lábios e posição das sobrancelhas, elementos fundamentais para o reconhecimento de um indivíduo, o trabalho pouco oferecia ao contexto geral. Outro problema seria a falta da mandíbula do crânio, no entanto a região foi reconstruída, sem que os especialistas fornecessem os parâmetros utilizados para tal. Apesar do teste de DNA mitocondrial indicar que a amostra dos ossos e dos cabelos eram compatíveis, poderiam se tratar de pessoas diferentes [D_Soltysiak_2009]. Ainda sobre a aproximação facial, havia dúvida em relação a forma como estipularam a ancestralidade do individuo a partir apenas das estruturas do crânio, uma técnica com problemas de aplicação e, no caso abordado, sem dados das referências utilizadas para o inferimento [D_Berdnarek_2015]. Havia também uma discussão sobre a descoberta do túmulo ser um fato científico ou midiático, pois alguns especialistas acreditavam que o sucesso da notícia nos meios de comunicação e a boa resposta do público frente ao acontecimento, acabou por suprimir a consciência crítica e o debate frente às inconsistências argumentativas que se revelaram no decorrer do processo. Apesar dos envolvidos com o achado afirmarem que a certeza de 97% de que era o corpo de Copérnico havia sido validada pelo teste com o mtDNA, não foi efetuada comparação em parentes do astrônomo, pois os túmulos não foram encontrados. O público se deu por satisfeito com o que viu, a Igreja Católica tomou os dados como certos e promoveu um novo enterro (como supracitado), documentários sobre o trabalho foram editados, matérias sobre o feito rodaram o mundo nos mais variados idiomas e alguns especialistas envolvidos nas pesquisas receberam uma série de prêmios e reconhecimentos. O conjunto de acontecimentos, eventuais descuidos técnicos em declarações e publicações, levantaram dúvidas sobre os restos pertencerem ou não ao grande astrônomo [D_Kokowski_2014]. Frente ao grande debate que se formou, um diálogo entre especialistas dos dois lados foi organizado e publicado sob a forma de um livro em 2010, originalmente em polonês, mas que foi traduzido para o inglês em 2015 sob o título “The Nicolaus Copernicus grave mistery - A dialogue of experts” e disponibilizado para download em formato digital.

A Reconstrução Facial Digital de 2024

A apresentação dos restos mortais de 2005 e o amplo debate posterior forneceu um volume de dados suficiente para que uma nova aproximação facial pudesse ser implementada, de modo a preencher algumas lacunas técnicas e outros problemas pudessem ser resolvidos em face a evolução tecnológica, ou mesmo com uma abordagem simplificada.

Conceitos, Software e Hardware

A reconstrução facial forense (RFF) ou aproximação facial forense (AFF) [D_Stephan_2015], é uma técnica auxiliar de reconhecimento que reconstrói/aproxima a face de um indivíduo a partir do seu crânio e é utilizada quando há escassa informação para a identificação de um indivíduo [D_Pereira_2017]. Nota-se que a técnica não se trata de identificação, como aquelas oferecidas por DNA ou análise comparativa de arcos dentários, mas sim de reconhecimento que pode levar à posterior identificação [D_Baldasso_2020].

O presente trabalho utiliza o mesmo passo-a-passo abordado em [D_Abdullah_2022] e [D_Moraes_2023], iniciado com a configuração do crânio na cena 3D, seguindo com a projeção do perfil e estruturas da face a partir de dados estatísticos, gerando o volume do rosto com o auxílio da técnica de “deformação” anatômica e o acabamento com o detalhamento da face, configuração dos cabelos e geração das imagens finais.

O processo de modelagem foi efetuado no software Blender 3D, rodando o add-on OrtogOnBlender (http://www.ciceromoraes.com.br/doc/pt_br/OrtogOnBlender/index.html) e seu submódulo ForensicOnBlender. O programa e o add-on são gratuitos, de código aberto e multiplataforma, podendo rodar no Windows (>=10), no MacOS (>=BigSur) e no Linux (=Ubuntu 20.04).

Foi utilizado um computador desktop com as seguintes características:

* Processador Intel Core I9 9900K 3.6 GHZ/16M;
* 64 GB de memória RAM;
* GPU GeForce 8 GB GDDR6 256-bit RTX 2070;
* Placa mãe Gigabyte 1151 Z390;
* SSD SATA III 960 GB 2.5”;
* SSD SATA III 480 GB 2.5”;
* Water Cooler Masterliquid 240V;
* Linux 3DCS (https://github.com/cogitas3d/Linux3DCS), baseado no Ubuntu 20.04.

A Reconstrução do Crânio

A situação ideal para a aproximação facial é a digitalização tridimensional do crânio, seja por fotogrametria, escaneamento laser ou mesmo tomografia computadorizada. No entanto, mesmo que um modelo tridimensional não esteja à disposição, é possível reconstruir o crânio tendo imagens como referência [D_Moraes_2023] [D_Moraes_2024] [D_Galassi_2020].

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Fig. 53 Reconstrução do crânio a partir de referências.

Para o atual trabalho foram utilizadas referências métricas disponível em [D_Policji_2019] e estruturais presentes em [D_Bogdanowicz_2009], além de uma série de imagens do crânio que podem ser encontradas em buscas por imagens e em materiais em vídeo disponíveis em portais como o YouTube. Tais cuidados são necessários pois mesmo imagens que são tomadas de longas distâncias, ainda contam com a magnificação advinda da deformação por perspectiva. O crânio de um doador virtual foi utilizado como referência e deformado com as ferramentas de edição do Blender, em especial a proportional editing, resultando em um crânio sem mandíbula nas medidas correspondentes aquele atribuído a Nicolau Copérnico (Fig. 53).

Além do ajuste à estrutura do crânio a ser aproximado, foi possível extrair o endocrânio e levantar o volume do mesmo em 1463 cm³, um pouco acima da média geral de humanos modernos, segundo [D_Neubauer_2018] que é de 1328 cm³ (± 164). Ao se converter o endocrânio em volume cerebral, reduzindo o volume em 9,81% [C_Moraes_2023], obtêm-se o valor de 1295 cm³, um pouco acima da média de homens adultos atuais, que é de 1234 cm³ (± 98), segundo [D_Ritchie_2018].

O OrtogOnBlender conta com uma ferramenta de projeção de limites estruturais de algumas estruturas anatômicas (ossos e tecido mole) a partir da informação de alguns pontos anatômicos no crânio. Dais projeções são advindas de mensurações efetuadas em tomografias de indivíduos vivos de ancestralidades diferentes e fornecem a posição média e proporcional de várias estruturas como a posição do globo ocular (eixos X, Y e Z), dimensão das pálpebras (eixo X), dimensão dos lábios (eixo X), distância entre as asas nasais (eixo X), altura do limite inferior das asas nasais (eixo Z), limite inferior dos incisivos (eixo Z), limite inferior esperado para o mento (eixo Z), limite externo dos gônios (eixo X) e a altura das orelhas (eixo Z) [D_Moraes_2022] [D_Moraes_2021]. A ferramenta é bastante útil para casos onde faltam algumas estruturas, como o crânio do presente estudo e duas videoaulas sobre o posicionamento de pontos e as projeções estão disponíveis para consulta aos eventuais interessados (Aula1: https://youtu.be/U6oYkEmfyWo, Aula2: https://youtu.be/Vcz2e5uSFX8).

A Aproximação Facial

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Fig. 54 Projeções de estruturas a partir de pontos anatômicos.

Ao proceder com as medições no crânio a ser aproximado (Fig. 54), foi possível atestar que os incisivos estão significativamente abaixo das projeções da média e da proporção esperadas para o limite inferior, sendo 12.6 mm, mais de dois desvios padrão abaixo do esperado para o eixo Z (vide G-[11-21] e N-[11-21]: https://bit.ly/3NRw2KW), denotando um crânio potencialmente maior do que o esperado no sentido vertical.

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Fig. 55 Projeção do limite inferior do mento a partir do espaço dos incisivos e do limite inferior da mandíbula (11-21 ao me).

Geralmente a projeção das linhas permitem saber a posição da mandíbula, mas neste caso o limite inferior dos incisivos, muito abaixo do esperado no eixo Z, fez com que uma solução baseada na média e proporção da mandíbula fosse proposta. Duas linhas foram copiadas de modo a fornecer a média e proporção da mandíbula a partir do limite inferior do incisivo (Fig. 55, linha mais clara na parte superior e linha mais abaixo na parte inferior).

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Fig. 56 Reconstrução da mandíbula.

A mandíbula do doador virtual foi importada e ajustada às fossas condilares e a configuração da arcada dentária superior, bem como os limites laterais do gônio. Após os ajustes estruturais o limite inferior esperado para o mento foi excedido, ainda dentro do desvio padrão e compatível com a proporção de proporção geral no eixo Z (Fig. 56).

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Fig. 57 Marcadores de espessura do tecido mole.

Para complementar os dados de projeção, uma série de marcadores de espessura de tecido mole foram distribuídos ao longo do crânio (Fig. 57). Os marcadores foram extraídos da tabela de [D_De_Greef_2006], um estudo que mensurou a espessura do tecido mole em indivíduos vivos europeus e separou-os por idade e sexo, sendo o sexo masculino com idade de 60+ a escolhida e cujos dados não diferem significativamente das demais em adultos (vide os valores no IMC médio e o desvio padrão).

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Fig. 58 Projeção nasal e traçado do perfil da face.

Para o traçado do nariz (Fig. 58) foi utilizada uma técnica de projeção nasal baseada na mensuração de tomografias de indivíduos vivos de ancestralidades diferentes [D_Moraes_2021b] [D_Moraes_2022]. Uma videoaula abordando a técnica pode ser acessada no seguinte link: https://youtu.be/F205kLQ–Oo

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Fig. 59 Importação do doador virtual.

Seguindo o passo-a-passo proposto em [D_Abdullah_2022], a estrutura composta pelos ossos e tecido mole de um doador virtual é importada na cena (Fig. 59). A malha é composta pela reconstrução dos ossos (fator 200) e do tecido mole (fator -300) [D_Moraes_2021c] e servirá de base para o processo de “deformação” anatômica.

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Fig. 60 “Deformação” anatômica.

A “deformação” anatômica consiste em deformar a malha do doador virtual de modo a converter o crânio do mesmo em uma estrutura compatível com o crânio a ser aproximado. É esperado que ao deformar a malha correspondente ao crânio, a malha correspondente ao tecido mole sofra uma modificação que gere uma face compatível com o indivíduo a ser aproximado. Além disso, a “deformação” anatômica serve como um sistema complementar aos marcadores de espessura de tecido mole, que não cobrem toda a face, além de fornecerem apenas um limite para a pele, sem conter dados estruturais como os fornecidos pela deformação. Há uma tendência do perfil traçado anteriormente se equiparar com aquele gerado pela “deformação” anatômica, como pode ser visto no resultado final (Fig. 60).

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Fig. 61 “Deformação” anatômica vs projeção.

Além da compatibilidade do perfil, geralmente há compatibilidade nos limites projetados e observados frontalmente (Fig. 61). É possível atestar que o tamanho da pálpebras, da altura das orelhas, da dimensão dos lábios e da distância entre as asas nasais ficaram dentro do esperado. Já é possível também atestar a assimetria nasal, resultante da estrutura óssea. Uma videoaula abordando a “deformação” anatômica pode ser acessada no seguinte link: https://youtu.be/xig5_EcIFWA.

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Fig. 62 Interpolação do traçado do perfil.

O processo de aproximação facial interpola os dados resultantes das projeções, sejam elas bidimensionais ou tridimensionais, como pode ser visto no traçado médio do perfil da face (Fig. 62).

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Fig. 63 Ajuste do busto.

Seguindo os parâmetros apresentados em [D_Abdullah_2022], o busto de outra aproximação facial é importado na cena e ajustado para que se adeque ao formado das projeções efetuadas anteriormente. A vantagem da metodologia é fornecer uma estrutura advinda de um modelo composto por planos de 4 lados, mapeamento e pigmentação prévia e pêlos e cabelos pré definidos (Fig. 63).

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Fig. 64 Ajuste do ângulo pela idade.

A malha recebe configurações de estado (olhos abertos e fechados) e de envelhecimento, como o ângulo do nariz (Fig. 64), extrapolado para a idade de 60-70 anos [D_Shastri_2021].

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Fig. 65 Visualização em wireframe da malha ajustada.

Ao se observar a malha final, em wireframe, é possível atestar a sua simplicidade estrutural frente a malha do doador virtual, composta por muito mais planos (Fig. 65).

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Fig. 66 Escultura digital e ajuste dos pelos e cabelos.

Apesar da malha ser simplificada em relação às anteriores, o Blender permite uma subdivisão inteligente da superfície, o que torna a estrutura apta a receber o trabalho de escultura digital para envelhecimento facial. A configuração pré definida dos pelos e cabelos também é explorada e ajustada para corresponder às caracteŕisticas esperadas (Fig. 66).

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Fig. 67 Iluminação e renderização.

A pigmentação da pele, a iluminação e a renderização (geração de imagens) são trabalhadas para a geração das imagens finais (Fig. 67).

Imagens Finais

Aproximação Objetiva

Ao todo foram geradas 8 imagens finais, três objetivas, duas artísticas e duas para comparação. Uma das críticas a aproximação efetuada pela Centralne Laboratorium Kryminalistyczne Policji foi o fato de serem coloridas, com a pigmentação sem supostos dados que a fundamentem, contendo cabelos, formato dos olhos, demasiadas marcas de expressão, etc. Uma solução para isso são as imagens objetivas, sem cabelos, com os olhos fechados e com a superfície facial suavizadas, simulando uma estrutura que lembra a reconstrução de uma tomografia computadorizada (Fig. 68, Fig. 69, Fig. 70). Com tais imagens é possível analisar as esturturas gerais da face e, em casos de trabalhos forenses reais, auxilia amigos ou familiares a identificarem características gerais do rosto que podem levar a um posterior reconhecimento, como mostra um trabalho efetuado do autor, junto à polícia brasileira [D_Baldasso_2020].

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Fig. 68 Face objetiva - frontal.

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Fig. 69 Face objetiva - 3/4.

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Fig. 70 Face objetiva - perfil.

Aproximação Artística

Como o presente projeto está relacionado ao campo arqueológico e histórico, dentro de um contexto de pesquisa e divulgação, é esperado que se crie uma imagem com elementos artísticos e especulativos, como a configuração dos cabelos, indumentária, marcas de expressão, etc (Fig. 71, Fig. 72, Fig. 73). Mesmo assim ainda é possível aplicar elementos que estão presentes na pesquisa, como a tendência dos olhos serem claros/azuis. A colorização da pele está dentro do esperado para a paleta facial dos poloneses, como pode ser visto em um outra aproximação de um indivíduo polonês com acondroplasia, que atesta também o funcionamento da técnica de “deformação” anatômica [D_Moraes_2024b]. É muito importante, sempre que possível, informar o leitor acerca das limitações das técnicas de avaliação da ancestralidade e fornecer, além da versão artística, uma versão objetiva, procurando citar todas as referências utilizadas para a criação das imagens. Outrossim, mesmo com o trabalho de informação técnica podem ocorrer problemas no momento da divulgação da obra, uma vez que a imprensa geralmente foca em parte da pesquisa ao apresentar os resultados, podendo não indicar a fonte principal onde os leitores poderão se aprofundar no assunto [D_Moraes_2023b] [D_Moraes_2023c] [D_Haschem_2023].

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Fig. 71 Face artística - frontal.

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Fig. 72 Face artística - 3/4.

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Fig. 73 Face artística - perfil.

Comparações com Outras Obras

Aproximação Facial de 2005

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Fig. 74 Comparação entre as aproximações, a efetuada pela Polícia polinesa (Dariusz Zajdel) em azul e o atual trabalho em vermelho. A estrutura do crânio está representada pela cor cinza e a reconstrução do crânio em cinza pontilhado.

Ainda que tenham sido confeccionadas com técnicas diferentes, as aproximações faciais de 2005 [D_Policji_2019] e a de 2024 foram alinhadas e comparadas para que algumas observações pudessem ser efetuadas (Fig. 74). Pela vista lateral atesta-se que a projeção nasal de ambos os trabalhos é bastante compatível, diferenciando-se na região da mandíbula, o que é de certa forma esperado, uma vez que a ausência da estrutura faz com que uma projeção seja efetuada. Em relação ao eixo Z a altura das duas aproximações são convergentes no mento, apenas no eixo Y é que há uma diferença significativa, ainda que a linha do queixo se pareçam. Observando frontalmente, as extremidades da face são bastante compatíveis, inclusive as orelhas, excetuando-se apenas uma região na parte superior, oculta pelos cabelos. Já o nariz, evidencia-se uma grande diferença frontal, o que pode ser fruto de uma exacerbação para mostrar a assimetria, o que pode ser útil em alguns casos de vítimas de crimes, pois deixa bem evidente algumas características faciais. Em face a esses resultados é possível ver que o trabalho da polícia polonesa está dentro dos parâmetros esperados para a técnica e as discrepâncias podem ser explicadas pelas decisões dos especialistas. Infelizmente não foi possível o autor ter acesso a obra que forneceu o relatório oficial dos achados, de modo a analisar a literatura utilizada. As decisões tomadas pelo autor para a reconstrução foram informadas e há outro trabalho, o da aproximação facial de um crânio atribuído a Dante Aliguieri, onde a projeção de 4 mandíbulas foram confrontadas e a posição final do mento se compatibilizou dentro do desvio padrão, sendo que todos os trabalhos dispõe de publicações em journals ou em livro, abordando as decisões tomadas [D_Moraes_2024]. A ferramenta de projeção das estruturas faciais disponível no OrtogOnBlender também confrontou o trabalho de décadas atrás, onde um antropólogo experiente projetou regiões faltantes a partir de uma pequena parte do crânio e os resultados se convergiram [D_Moraes_2023d], tendo o mesmo acontecido na análise de uma reconstrução do crânio de um H. sapiens arcaico [D_Moraes_2023e]. Atualmente as projeções têm se mostrado promissoras na análise de dados de pós cirurgia em deformações faciais, uma vez que o desenvolvimento inicial do addo-on aqui utilizado é para tal área [D_Lobo_2022] [D_Cunha_2020] [D_Pierri_2019]. É pertinente uma observação acerca do nariz assimétrico advindo da aproximação atual não ter ficado tão evidenciado quando o dos trabalhos de 2005. Mesmo que alguns crânios aparentem uma grande assimetria, há uma tendência do tecido mole balancear a estrutura, fazendo com não fiquem tão evidentes externamente. As assimetrias faciais são amplamente abordadas na aproximação facial forense com a clássica imagem do espelhamento dos lados faciais que geralmente geram dois rostos diferentes, isso pode ser visto em Gerasimov ([D_Gerasimov_1949] p. 26), Taylor ([D_Taylor_2000] p. 96) e Wilkinson ([D_Wilkinson_2004] p. 101), além das mídias sociais atuais, onde uma série de pessoas costumam ser fotografadas no lado que melhor evidencia uma harmonia facial. Tal abordagem também contribuiu para o abrandamento visual da assimetria.

Retrato de 1580

O uso de pintura para a comparação com a aproximação facial pode ser um grande problema, dependendo da habilidade ou estilo do artista na ocasião. No entanto, muitas vezes algumas características do indivíduo podem dar a impressão de que o pintor se equivocou, mas na verdade a face era coerente com o retratado, como o caso de São Martim de Porres (1579-1639), cuja única pintura efetuada durante a vida do religioso mostra um rosto com proporções atípicas, principalmente na região da mandíbula, lembrando muito mais uma caricatura do que uma face real (https://en.wikipedia.org/wiki/File:San_Martin_de_Porres_huaycan.jpg). Depois que a projeção facial foi efetuada o resultado se equiparou significativamente ao dito quadro, uma vez que as proporções atípicas da face se deviam a ausência de grande parte dos dentes resultando em uma face curta (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:San_Mart%C3%ADn_de_Porres_-_Reconstrucci%C3%B3n_Facial_3D.jpg). Muitas vezes a personalidade histórica sequer foi retratada durante a vida e imagens são encomendadas anos ou décadas depois da morte, fazendo com que o artista recorra a memória ou ao relato de terceiros para compor a obra. Um caso envolvendo tal situação aconteceu com São Vicente de Paulo (1581-1660), pois a aproximação facial se compatibilizou significativamente com um quadro pintado anos depois da morte do santo (https://ortogonline.com/doc/pt_br/OrtogOnLineMag/4/_images/Vicente_compara.jpg) [D_Moraes_2022b]. Em ambos os casos os trabalhos foram efetuados com a autorização da igreja e os restos mortais são relíquias atribuídas às figuras religiosas sem um estudo como de DNA, por exemplo, para reforçar a certeza de que de fato eram quem indicavam ser. Em ambos as situações, as características faciais marcantes, seja a face curta no caso de São Martim de Porres ou o prognatismo mandibular e nariz projetado de São Vicente de Paulo, contribuíram para o reconhecimento dos rostos aproximados.

Dentre os retratos atribuídos a Nicolau Copérnico, um deles lembra mais uma caricatura do que uma face retratada com realismo, trata-se do retrato do colégio, que se encontra sob os cuidados do Museu Distrital de Toruń e foi pintado por volta de 1580, ou seja, 37 anos depois da morte do astrônomo [D_Flik_2015]. No retrato os olhos estão levemente desalinhados, o queixo é bastante volumoso, o nariz protuberante e os lábios parecem pequenos em relação às dimensões da face (https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Nikolaus_Kopernikus.jpg). Depois que o processo básico de aproximação facial foi efetuado no crânio atribuído a Copérnico, ficou evidente que se tratava de um rosto com uma dimensão maior no eixo Z do que o esperado, e mesmo que a estrutura estivesse dentro dos parâmetros de compatibilidade com a média e proporções esperadas no eixo X, o resultado final mostraria uma face peculiar e uma vez que os lábios, por exemplo, tivessem um tamanho normal no eixo Z, ao compará-lo com o rosto geral, dão a impressão de serem relativamente pequenos. Em face a essa situação inesperada, a projeção facial foi comparada ao quadro, ajustando-se os parâmetros a um indivíduo mais jovem.

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Fig. 75 Comparação 1 - Wireframe + Xray.

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Fig. 76 Comparação 1 - Wireframe.

Ao se comparar a máscara da aproximação facial com o quadro de 1580, a compatibilidade é consideravelmente grande, destoando apenas na parte direita da testa do astrônomo, mas dentro dos padrões na região dos olhos, nariz, lábios, maçãs do rosto, linhas das sobrancelhas e queixo (Fig. 75, Fig. 76). Como abordado anteriormente, a aproximação facial não é uma ferramenta de identificação, mas de reconhecimento e tal compatibilidade por si só não atesta que o rosto da pintura pertenceu ao indivíduo do crânio, mas certamente há um padrão bastante próximo entre os dois.

Conclusão

O presente trabalho foi bem sucedido em aproximar uma face a partir de dados disponibilizados digitalmente, fornecendo novas informações e reforçando outras acerca do controverso crânio atribuído a Nicolau Copérnico.

Agradecimentos

Ao Dr. Richard Gravalos, por ceder a tomografia computadorizada utilizada neste estudo.

Finis articuli texti & novae Refectionis.

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