A Aproximação Facial do Crânio Atribuído a Jan Žižka (1360-1424)

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Cicero Moraes
3D Designer, Arc-Team Brazil, Sinop-MT, Brasil - Bacharel em Marketing, Dr. h. c. FATELL/FUNCAR (Brasil) e CEGECIS (México) - Membro da Mensa Brasil e da Intertel - Revisor convidado: Elsevier, Springer Nature, PLoS e LWW - Guinness World Records 2022: First 3D-printed tortoise shell.

Jiří Šindelář
Agrimensor, GEO-CZ, Tábor-República Tcheca

Matěj Šindelář
Especialista em Fotogrametria, GEO-CZ, Tábor-República Tcheca

Zuzana Thomová
Arqueóloga - Museu da Boêmia do Sul em České Budějovice, República Tcheca

Jakub Smrčka
Diretor do Museu Hussita em Tábor, República Tcheca

Thiago Beaini
Cirurgião Dentista, Professor Assistente - Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia-MG

Francesco Maria Galassi
Antropólogo e Paleopatologista - Forensic Anthropology, Paleopathology and Bioarchaeology (FAPAB) Research Center, Avola, Itália
Data da publicação: 05 de outubro de 2024
ISSN: 2764-9466 (Vol. 6, nº 1, 2025)

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Introdução

Quem Foi Jan Žižka

Jan Žižka (c.1360-1424), foi um comandante militar nascido em Trocnov, Boêmia (atual Tchéquia). Considerado um herói nacional, liderou uma série de campanhas, dentre elas a vitória dos exércitos hussitas contra o rei Sigismundo em 1420. Žižka perdeu um dos olhos na tenra idade, em ocasião desconhecida, mas isso não o impediu de desenvolver-se na arte da guerra, revolucionando o campo bélico ao introduzir o uso de canhões montados em carroças agrícolas móveis e blindadas, considerado por alguns como o precursor do tanque de guerra. Além disso foi um dos primeiros a agrupar cavalaria, infantaria e artilharia como um corpo tático, resultando em um sistema praticamente imbatível [C_Lotha_2023]. Antes de falecer, em 1424, perdeu a visão do outro olho, mas continuou a colaborar com os seus seguidores, fazendo com que a fama de invencível no campo de batalha perdurasse até os dias atuais, tanto no contexto histórico quando popular, como é o caso do filme intitulado Medieval, baseado na sua história e que se tornou uma das produções mais vistas na plataforma Netflix no ano de 2022 [C_AH_2022].

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Fig. 30 Jan Žižka, cabeça esculpida em pedra-pomes, séc. XVI. Wolfgang Sauber, Wikimedia Commons (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Hussitenf%C3%BChrer_Jan_Zizka.jpg).

A descoberta dos Restos Mortais

Jan Žižka morreu em 11 de outubro de 1424 durante a conquista do castelo de Přibyslav, que está localizado no atual território da região de Vysočina, ou seja, na fronteira tcheco-morávia. Fontes históricas afirmam que Žižka morreu devido aos efeitos de uma úlcera purulenta, enquanto muitos historiadores sugeriram que foi uma praga [C_Pekar_1927]. Um dos primeiros a se opor a essa possibilidade foi um antropólogo, Emanuel Vlček, que a partir da década de 1960 trabalhou na história da cidade. Ele lista uma série de objeções a essa afirmação - na época da morte de Jan Žižka, nenhuma epidemia de peste havia sido registrada na Boêmia. Nenhum de seus parentes que estavam presentes em sua morte contraiu a peste ou qualquer outra doença contagiosa. Vlček está inclinado à opinião dos médicos de que Žižka morreu de envenenamento do sangue após um carbúnculo não tratado (furúnculo), que pode ter parecido uma “úlcera purulenta” [C_Vlcek_1993].

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Fig. 31 Local da descoberta do crânio atribuído a Jan Žižka. Imagem sob domínio público [C_Coletivo_1911].

O funeral de Jan Žižka ocorreu no outono do mesmo ano em que ele morreu, sendo enterrado na Igreja do Espírito Santo em Hradec Králové. O local do sepultamento ou túmulo não é mais conhecido. As antigas crônicas tchecas mencionam um túmulo no pilar direito na nave principal da igreja no lado do Evangelho [C_Porak_1980]; [C_Vlcek_1993] [C_Cerna_2003]. Depois de algum tempo, os restos mortais deveriam ser transferidos para a Igreja de São Pedro e São Paulo em Čáslav (Fig. 31). O motivo da tradução é desconhecido [C_Cornej_2019]. Em 21 de novembro de 1910, durante a reconstrução da Igreja de São Pedro e São Paulo em Čáslav, um nicho murado foi descoberto na parede norte da torre [C_Coletivo_1911]. O nicho foi encontrado 115 cm acima do pavimento existente, 115 cm de altura, 78 cm de largura e 84 cm de profundidade. O nicho continha fêmures, a parte superior de um crânio, outros fragmentos de crânio, um fragmento maior de cerâmica, possivelmente uma tigela, um pano desintegrado e talvez duas tábuas de madeira com ripas (Fig. 30) [C_Coletivo_1911] [C_Vlcek_1974]. O primeiro relatório antropológico que se concentrou no estudo de restos esqueléticos foi feito pelo fundador da antropologia tcheca, Jindřich Matiegka [C_Coletivo_1911]. No entanto, seu relatório não foi aceito por outros avaliadores, especialmente os médicos [C_Vlcek_1993]. Desde então, a calva de Čáslav (como é chamado o crânio) e outros restos esqueléticos foram tratados majoritariamente por Emanuel Vlček, que preparou uma pesquisa antropológica e médica da descoberta de Čáslav [C_Vlcek_1968].

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Fig. 32 O crânio atribuído a Jan Žižka em meio a demais restos mortais e objetos, foto de 1910 sob domínio público (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:%C4%8C%C3%A1slavsk%C3%BD_n%C3%A1lez.jpg).

Os ossos secundários no nicho descoberto em 1910 em Čáslav pertenciam a pelo menos três pessoas, e nenhum do total de 7 ossos - osso occipital, maxila, ossos nasais, costelas direita e esquerda, fêmur direito e esquerdo - pode ser atribuído à parte superior do crânio com ossos nasais e osso temporal direito, ou seja, à calva de Čáslav [C_Vlcek_1968] [C_Vlcek_1993]. Este crânio preservado consiste no osso frontal, ambos os ossos parietais e a metade superior do osso occipital. Uma parte do osso temporal direito também é preservada. Infelizmente, esses restos foram danificados secundariamente, por golpes contundentes no osso occipital e na borda superior da órbita esquerda [C_Vlcek_1993]. Danos adicionais estão relacionados à secagem rápida dos ossos do crânio e a danos mecânicos aos ossos causados pelo manuseio do crânio.

As características de identificação para determinação do sexo para o professor Vlček foram principalmente os arcos supraorbitais fortemente desenvolvidos, as protuberâncias frontal e parietal não são formadas e o processo semelhante a um mamilo no osso temporal é desenvolvido maciçamente com um entalhe profundo e com uma borda fortemente formada sobre o canal auditivo externo. Todas essas pistas falam claramente sobre o sexo masculino. Determinar a idade sobrevivente do indivíduo também foi problemático, dada a torção dos restos esqueléticos preservados na forma de um crânio. Assim, Vlček determinou a idade apenas com base no fechamento e crescimento das suturas cranianas. Segundo ele, esse indivíduo não excedeu o limite de idade madura e a idade sobrevivente foi de 50 mais ou menos 10 anos [C_Vlcek_1968] [C_Vlcek_1993].

Lesões curadas foram monitoradas no crânio usando tomografia computadorizada (TC). Estas são retalho ósseo frontal total sobre a órbita esquerda e depressão da forma arqueada. Esta alteração foi causada pela formação de uma cicatriz maciça da ferida incisional que passou pelas margens superior e inferior da órbita esquerda. Considerando o processo de cicatrização desta ferida, o antropólogo concluiu que a lesão ocorreu antes que o indivíduo tivesse completado o crescimento, entre as idades de 10 e 14 anos. Outros vestígios da lesão foram encontrados na região do arco supraorbital direito, onde foi encontrado um hematoma encapsulado em cicatrização. Esta lesão, segundo o antropólogo, foi causada pelo descolamento do periósteo da superfície do osso por um golpe contundente direcionado à região do olho direito e cicatrizou pouco antes da morte do indivíduo em estudo. Historicamente, este é o período do cerco do Castelo de Rábí em 1421 [C_Vlcek_1993] [C_Vlcek_1968].

Após a pesquisa antropológica e médica da chamada calva de Čáslav e sua identificação com eventos históricos, os antropólogos chegaram à conclusão de que se trata de uma relíquia autêntica de Jan Žižka. A pesquisa mais recente, que ainda não foi publicada na imprensa profissional, foi realizada pelo Instituto de Física Nuclear do CAS, com base no método de radiocarbono. Foi descoberto que o indivíduo em questão morreu por volta de 1424, a mesma época do famoso senhor da guerra Jan Žižka de Trocnov [C_UJF_2024].

A Aproximação Facial

Em ocasião do 600º aniversário da morte de Jan Žižka, no ano de 2024, houve uma movimentação para a apresentação de sua face, a partir dos restos mortais disponíveis. O crânio foi digitalizado pela técnica de fotogrametria e o processo foi iniciado, objetivando a revelação da face nos primeiros dias de outubro.

Materiais e Métodos

Conceitos, Software e Hardware

A reconstrução facial forense (RFF) ou aproximação facial forense (AFF) [C_Stephan_2015], é uma técnica auxiliar de reconhecimento que reconstrói/aproxima a face de uma pessoa a partir do seu crânio e é utilizada quando há escassa informação para a identificação de um indivíduo [C_Pereira_2017]. Nota-se que a técnica não se trata de identificação, como aquelas oferecidas por DNA ou análise comparativa de arcos dentários, mas sim de reconhecimento que pode levar à posterior identificação [C_Baldasso_2020].

O presente trabalho utiliza o passo-a-passo abordado em [C_Abdullah_2022] e [C_Moraes_2023], iniciado com a configuração do crânio na cena 3D, seguindo com a projeção do perfil e estruturas da face a partir de dados estatísticos, gerando o volume do rosto com o auxílio da técnica de “deformação” anatômica [C_Quatrehomme_1997] e o acabamento com o detalhamento da face, configuração dos pelos, da indumentária e geração das imagens finais.

O processo de modelagem foi efetuado no software Blender 3D, rodando o add-on OrtogOnBlender (http://www.ciceromoraes.com.br/doc/pt_br/OrtogOnBlender/index.html) e seu submódulo ForensicOnBlender [C_Pinto_2020], ambos desenvolvidos pelo primeiro autor do presente material. O programa e o add-on são gratuitos, de código aberto e multiplataforma, podendo rodar no Windows (>=10), no MacOS (>=BigSur) e no Linux (=Ubuntu 20.04).

Foi utilizado um computador desktop com as seguintes características: Processador Intel Core I9 9900K 3.6 GHZ/16M; 64 GB de memória RAM; GPU GeForce 8 GB GDDR6 256-bit RTX 2070; Placa mãe Gigabyte 1151 Z390; SSD SATA III 960 GB 2.5”; SSD SATA III 480 GB 2.5”; Water Cooler Masterliquid 240V; Linux 3DCS (https://github.com/cogitas3d/Linux3DCS), baseado no Ubuntu 20.04.

Atenção

Além da AFF o OrtogOnBlender é utilizado para o planejamento de cirurgia ortognática [C_Cunha_2020] [C_Lobo_2022], rinoplastia [C_Sobral_2021], fraturas mandibulares [C_Facanha_2021], expansores mandibulares de bebês [C_Duarte_2023], documentação urológica [C_Nascimento_2023], próteses veterinárias [C_Taub_2024], próteses faciais [C_Salazar_2022] e outros, por usuários de 30 países, contemplando 4 continentes.

Aproximação Facial Forense

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Fig. 33 Reconstrução das partes faltantes do crânio.

A chamada Calva de Čáslav (Fig. 33, A) é composta por um osso frontal, ossos parietais, a escama do osso occiptal, osso temporal direito e parte da panturrilha dos ossos nasais [C_Vlcek_1984]. Por se tratar de um crânio incompleto foi necessário reconstruir a região faltante para viabilizar o processo de AFF. Um espelhamento no eixo X da estrutura permitiu uma discreta complementação estrutural, o que permitiu a visualização dos pontos orbitais frontomalares (fmo-fmo) (Fig. 33, B). Alguns pontos anatômicos foram informados (fmo-fmo, g, n) e um sistema de projeção disponível no ForensicOnBlender traçou os limites esperados de algumas estruturas do tecido mole (posição dos globos oculares, dimensão horizontal dos lábios e limite inferior das asas nasais) e dos ossos (limite horizontal dos gônios, limite inferior dos incisivos e limite inferior do mento) (Fig. 33, C) [C_Moraes_2021] [C_Moraes_2022]. O crânio da tomografia computadorizada de um doador virtual foi reconstruída [C_Moraes_2021b] e ajustada aos limites informados pelo algoritmo de projeção (Fig. 33, D).

Importante

Os dados antopológicos como sexo, idade, estruturas de potenciais ferimentos e outros foram extraídos de [C_Vlcek_1984].

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Fig. 34 Etapas iniciais da aproximação facial.

Uma vez que o crânio estava completo, foi possível posicionar mais pontos anatômicos e gerar todas as projeções diponíveis no ForensicOnBlender (Fig. 34, A). Para uma compreensão prática do funcionamento da solução, duas videoaulas sobre projeções estruturais estão disponíveis de modo online em: aula 1, aula 2. Uma série de marcadores de espessura de tecido mole, adindo de uma amostra de população de homens adultos europeus de 50-59 anos [C_De_Greef_2006] foi distribuída ao longo da superfície do crânio (Fig. 34, B). A projeção do nariz foi efetuada com a metodologia complementar baseada em dados coletados de tomografias computadorizadas de pessoas vivas [C_Moraes_2021c] [C_Moraes_2022], permitindo, junto com os dados dos marcadores de tecido mole, que um perfil prévio da face fosse traçado (Fig. 34, C). O nível de decaimento do nariz (Fig. 34, D), em relação à idade foi mensurado e ajustado segundo dados de [C_Shastri_2021]. Uma video aula sobre a técnica de projeção nasal pode ser acessada de modo online.

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Fig. 35 Etapas finais da aproximação facial.

Para complementar os dados da aproximação, recorreu-se a técnica de deformação anatômica [C_Quatrehomme_1997] [C_Abdullah_2022], que consiste na importação de uma cabeça composta (crânio, tecido mole e endocast) de um doador virtual (Fig. 35, A) e a deformaçã/ajuste do crânio do doador até que este se compatibilize ao crânio a ser aproximado, refletindo tais alterações ao tecido mole, permitindo que a interpolação dos dado da projeção do perfil anterior com a fornecida pela deformação anatômica resulte em uma face básica (Fig. 35, B e C). Uma videoaula abordando a “deformação” anatômica pode ser acessada de modo online. A face básica passa por um processo de escultura digital, recebendo as marcas de expressão compatíveis com a idade, bem como a cicatriz do ferimento no olho esquerdo [C_Vlcek_1984], além dos cabelos, da sobrancelha, do bigode e da barba (Fig. 35, D). Por se tratar de um projeto com fins de exibição no contexto de museus, a face e os olhos são pigmentados conforme dados de média facial de homens tchecos adultos, gerados por composição de imagem a partir de busca em sites de imagens (ver [C_Moraes_2024]), logo o processo se trata de elementos mais especulativos e não refletem necessariamente o que seria em vida. Indumentárias foram modeladas com dados fornecidos pela iconografia clássica atribuída à personagem histórica e a cena foi iluminada para a geração das imagens finais (Fig. 35, E). Vídeos ilustrando os processo de pigmentação digital e configuração dos cabelos estão disponíveis de modo online.

Resultados

Foram criados quatro grupos de imagens:

1) AFF objetiva, contendo apenas a malha do rosto, com os olhos fechados (pois não se sabe com certeza o formato dos olhos e a cor/tonalidade dos mesmos), sem pelos e cabelos (pois não se sabe a configuração dos mesmos) e em escala de cinza (pois não há dados sobre a cor da pele) (Fig. 36, Fig. 37, Fig. 38);
2) Busto colorido, contendo o busto com um dos olhos aberto, cabelos, bigode, barba, sobrancelha com as devidas pigmentações (Fig. 39, Fig. 40, Fig. 41);
3) AFF artística completa, contendo todos os elementos anteriores com a adição de indumentária segundo dados da iconografia atribuída à personagem histórica (Fig. 42, Fig. 43, Fig. 44).
4) AFF artística completa com detalhamente por IA, trata-se de uma versão com incremento de detalhes via aplicativo Leonardo AI (https://app.leonardo.ai/) e ajustes manuais efetuados no editor de imagens Gimp (https://www.gimp.org/). Para uma melhor apreciação dos detalhes, é necessário observar tais imagens de perto (Fig. 45, Fig. 46, Fig. 47).
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Fig. 36 Objetiva - 3/4.

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Fig. 37 Objetiva - Frontal.

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Fig. 38 Objetiva - Perfil.

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Fig. 39 Busto - 3/4.

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Fig. 40 Busto - Frontal.

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Fig. 41 Busto - Perfil.

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Fig. 42 Versão artística completa - 3/4.

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Fig. 43 Versão artística completa - Frontal.

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Fig. 44 Versão artística completa + IA - Perfil.

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Fig. 45 Versão artística completa + IA - 3/4.

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Fig. 46 Versão artística completa + IA - Frontal.

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Fig. 47 Versão artística completa + IA - Perfil.

Discussão

O fato mais evidente sobre o trabalho atual é que há apenas uma parte do crânio atribuído a Jan Žižka e que, a falta de uma significativa região certamente levanta questionamentos acerca da precisão envolvendo a projeção efetuada para recuperar o que poderia ser a estrutura completa. Algo parcialmente parecido com o que aconteceu no caso da aproximação facial de Santa Ludmila, também estudada pelo Dr. Emanuel Vlček (1925-2006) e que teve o seu crânio aproximado pelo antropólogo na década de 1990. Curiosamente a reconstrução craniana do especialista se encontrava dentro dos parâmetros de projeção estatísticas e a aproximação facial se fez compatível com as técnicas atuais, devidamente publicadas em um journal revisado por pares [C_Moraes_2023]. No caso do presente trabalho, embora pareça uma mesma situação, este conta com mais dados na região do nariz, permitindo uma aproximação lateral mais precisa e a ausência de dados na parte inferior foi solucionada parcialmente pela configuração do bigode e da barba, que cobrem parte significativa da região, ocultando naturalmente a a maxila e a mandíbula. A técnica de projeção tem se mostrado coerente com estruturas médias de crânio e até se compatibilizou com a reconstrução estrutural do crânio incompleto de Zlatý kůň, originalmente efetuada com outras ferramentas, amplamente publicadas, denotando a coerência da proposta disponível via ForensicOnBlender [C_Moraes_2024b]. A técnica, no entanto, como qualquer outra baseada em dados estatísticos apresenta as suas margens de erro e desvios padrão, é imprescindível que essas características sejam explanadas para que se saiba acerca das limitações. Por se tratarem de reconstruções voltadas a apresentação no contexto religioso e de museus, tanto no caso de Santa Ludmila, quando de Jan Žižka, não há exacerbada pressão sobre a precisão estrutural, mas mesmo em casos críticos como a aproximação no contexto efetivamente forense, ou seja, casos de assassinato ou desaparecimento, há a possibilidade de se reconstruir crânios bastante fragmentados com significativa chance de reconhecimento [C_Taylor_2010].

Outro questionamento que é feito com certa constância, é aquele relacionado a autenticidade do crânio em relação ao indivíduo a que se atribui o mesmo. Sobre o suposto crânio de Jan Žižka, os argumentos a favor podem ser aqueles relacionados ao estudo da década de 1980, o qual indicou se tratar de um indivíduo do sexo masculino com idade entre 40 e 60 anos e que teria sofrido dois ferimentos nos olhos, um com cicatrização óssea ocorrido na tenra idade e outro próximo a morte, denotando uma combinação de fatores dificilmente vista em outros contextos [C_Vlcek_1984]. Além de tais dados, uma datação de radio carbono efetuada no ano de 2024 parece corroborar com a o ano da morte em 1424 [C_UJF_2024], reforçando os elementos a favor da tese de que o mesmo teria pertencido ao notório general boêmio.

A solução da dúvida poderia ser resolvida com um teste de DNA, mas não há garantia de sucesso, basta ver o caso dos exames efetuados nos cabelos e no suposto crânio de Nicolau Copérnico [C_Bogdanowicz_2009] que levantam grande debate [C_Soltysiak_2009], e o caso do exame efetuado no crânio que seria de Mozart, comparando a amostra com duas supostas parentes dele, sendo que no final, as amostras todas não tinham relação entre si, aumentando ainda mais o mistério que se arrasta com o passar dos séculos [C_Black_2012] [C_Harding_2006].

Em relação ao uso da ferramenta de inteligência artificial para o detalhamento das imagens finais, quando observadas à distância, não há muita diferença entre a versão original e a refinada por IA, mas ao se aproximar é possível atestar um detalhamento significativo, principalmente em relação às marcas de expressão, os pelos faciais e ao brilho dos olhos que, juntos, todos estes elementos tornam a figura mais humana, com aspecto de vivacidade. No entanto, existem alguns problemas com a ferramenta, como a necessidade de edições manuais para correções estruturais nos olhos, nos pelos faciais e outros, pois o algoritmo, embora trabalhe muito bem, ainda gera alguns erros estruturais. Mesmo assim, a ferramenta permitiu um nível de detalhamento que, se efetuado completamente de modo manual, aumentaria significativamente o tempo de execução.

Conclusão

O presente trabalho foi bem sucedido em reconstruir as partes faltantes e posteriormente aproximar a face do suposto crânio de Jan Žižka, utilizando técnicas estatísticas e tridimensionais baseadas na mensuração e deformação de tomografias de indivíduos vivos, além de apresentar o uso da IA para o detalhamento de estruturas faciais.

Agradecimentos

Ao Dr. Richard Gravalos, por ceder a tomografia computadorizada utilizada neste estudo.

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