Guia de Colagem Ortodôntica Indireta com o OrtogOnBlender

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  • Cicero Moraes 3D Designer, Arc-Team Brazil, Sinop-MT

  • Sérgio Luís Rodrigues Gianvechio Especialista em Endodontia APCD Araraquara (SP), Especialista em Ortodontia IPESP, Brasília-DF

DOI

https://doi.org/10.6084/m9.figshare.12996908


O objetivo deste capítulo é propor uma abordagem técnica para a criação de guia de colagem ortodôntica indireta, utilizando software gratuito e com isso aumentar as possibilidades do uso das tecnologias digitais para os profissionais que não possuem acesso aos softwares de alto custo, evidenciando que a odontologia digital está acessível a todos através do OrtogOnBlender.

Importante

Este material utiliza a seguinte licença Creative Commons: Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0).

Introdução

O tratamento Ortodôntico é composto por uma sequência de eventos que vão desde a análise facial, análise dos exames radiográficos e de modelos, determinação do plano de tratamento, instalação dos aparelhos, acompanhamento das movimentações até a fase de finalização onde objetiva-se ter uma oclusão próxima do ideal. A colagem de braquetes é uma das etapas mais importantes do tratamento ortodôntico pois através dela chega-se ao posicionamento dentário almejado no planejamento [PFNC03].

A técnica da colagem indireta foi desenvolvida por Silverman e Cohen em 1972 para reduzir o tempo clínico e aumentar o conforto do paciente. Neste método foi utilizado cimento para anexar braquetes ao modelo de gesso, um selante como um adesivo e guias termoplásticas para a transferência dos braquetes, a partir daí surgiram diversas variações, principalmente no que se refere aos materiais com que são confeccionadas as moldeiras, como por exemplo, as siliconas propostas por Scholz, placas de acetato indicadas por Hickman ou cola quente que utiliza polímero de etileno vinil acetato sugerido por White. De modo geral, todas elas baseiam-se na obtenção de modelos de trabalho dos arcos dentais confeccionados em gesso, nos quais posicionamos os acessórios ortodônticos que posteriormente serão transferidos para os dentes do paciente com o auxílio de moldeiras de transferência, não devendo haver nenhuma modificação morfológica nos dentes, no intervalo de tempo entre a moldagem e a colagem (VELLINI ET AL 2015) [FMA+15].

A odontologia digital introduziu o uso dos modelos intra orais escaneados em 3D e abriu a possibilidade da criação de set ups digitais, de alinhadores ortodônticos e também está provendo uma grande contribuição ao desenvolvimento da técnica de colagem indireta [Lay03] [CC18] [PO16]. Para isso novos materiais e softwares de design foram configurados especialmente para esta técnica.

Nos últimos anos, a popularidade da colagem indireta de braquetes tem aumentado devido a vantagens como a redução do tempo de cadeira, maior precisão no posicionamento dos braquetes e o aumento de conforto do paciente. Para trabalhar com essa técnica é necessário ter acesso a modelos intra orais, obtido preferencialmente por escaners intra orais bem calibrados e com a configuração correta para que o modelo seja o mais preciso possível. Além disso é fundamental obter o acesso a softwares específicos que possuam uma biblioteca de braquetes e também tenham módulos de design das guias e para uma melhor acurácia do processo este software também deve ser capaz de ler os arquivos DICOM das tomografias e fazer a integração entre os arquivos STL do escaneamento intra oral, com os arquivos DICOM das tomografias [DGS+20]. Finalmente é necessário acesso à tecnologia de impressão 3d para materializar estes projetos.

Embora a técnica de colagem indireta tenha melhorado ao longo dos anos, o acesso a modelos digitais pelos ortodontistas é bem maior que o acesso a softwares. Em um editorial Sabiha Bunek (2019) [Bun12], afirmou que 37% dos dentistas norte americanos possuem acesso a escaners intra orais mas não conseguiu afirmar quantos deles tinham um software de design integrado no seu workflow digital. Essa dificuldade de acesso pode ser justificada primeiramente pela preferência das empresas em apresentar principalmente os softwares para confecção de aligners ortodônticos, pelo custo de aquisição de softwares específicos para este fim e também pela falta de conhecimento profissional desta técnica.

Descrição da Técnica

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Braquete convencional. Alinhamento ao dente (à esquerda). Ao centro: A) Slot de nivelamenteo e B) Aleta de retenção do alastic/amarrilhos. Braquete em modo de edição (à direita) para análise da estrutura.

Devido a grande complexidade das peças ortodônticas (braquetes) o uso do conceito de modelos digitais com superfícies não retentivas podem facilitar o desenvolvimento de guias e splints digitais. Para um melhor desempenho da técnica foi efetuada uma modificação nos braquetes seguindo o conceito de anti retenção, uma vez que os braquetes possuem além do slot onde é inserido o fio ortodôntico, aletas onde são inseridos os elásticos ou fios de amarrilho, estas regiões apresentam um design complexo e pode inviabilizar a adaptação da guia.

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Passo-a-passo da importação do modelo e reconstrução da tomografia computadorizada.

O processo de confecção da guia de colagem indireta inicia-se com a Importação de modelos em arquivo STL (Fig. 2, A).

Para um melhor posicionamento tridimensional dos braquetes utilizamos o arquivo DICOM obtido com o exame tomográfico dos pacientes e no software Slicer, fazemos a seleção da região de interesse [MdRD20a] onde separamos os parâmetros de threshold para tecido mole, osso e dentes. Após a definição destes parâmetros seguimos no OrtogOnBlender na aba de CT-Scan Reconstruction, neste caso utilizando a opção de reconstrução CUSTOM e em seguida fazemos a conversão do arquivo DICOM em uma superfície 3D (Fig. 2, B).

Importante

Atualmente o CUSTOM está sendo substituído pela opção DEFAULT do CT-Scan Reconstruction. Isso acontece porque a segunda opção fornece configuração automática para uma grande parte dos tomógrafos do mercado, dispensando a aborgagem burocrática da explanação anterior.

A próxima etapa é fazer a sobreposição destes modelos, ou seja, sobrepor o arquivo 3d proveniente da tomografia com o arquivo STL do escaneamento intraoral.

Para alinhar seguimos o menu Alignment na mesma aba “Import Archs”. Marcamos os pontos compatíveis de origem (modelo tomografia) e alinhamento (modelo STL). Fazer o procedimento para três pontos de acordo com o solicitado pelo software. Caso o usuário ainda queira refinar este alinhamento poderá ir no menu Force ICP Align e ativá-lo para melhorar esta sobreposição (Fig. 2, C e D).

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Processo de alinhamento do braquete ao dente.

Agora iremos para a fase mais trabalhosa do nosso fluxo que é o posicionamento tridimensional dos braquetes. Para importarmos a biblioteca de braquetes, vamos ao no menu principal: File -> Import -> STL. Para movimentarmos os braquetes e irmos posicionando sobre o dente específico utilizamos o comando Grab e levamos o braquete para seu respectivo dente. Após este passo inicial temos que fazer o refinamento até alcançarmos o posicionamento ideal destes braquetes (Fig. 3, A).

Para isso usaremos o Pivot e o ideal é que este Pivot esteja posicionado no centro do braquete para podermos movimentá-lo nos eixos X, Y e Z. Ao mesmo tempo iremos orbitando o modelo para termos as vistas deste posicionamento. Sempre observamos o modelo nas três vistas, ou seja, frontal, oclusal e lateral para termos a perfeita noção deste posicionamento tridimensional (Fig. 3, B, C e D).

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Processo de alinhamento do braquete ao dente (detalhes externos e internos).

Para medirmos o posicionando vertical do dente temos à disposição a ferramenta de medida localizada no lado inferior esquerdo da tela.

Fazemos esta aferição em todos os braquetes e a medida que alteramos a sua posição orbitamos o modelo e conferimos o processo, utilizando o que chamamos de técnica das 3 vistas: frontal, oclusal e lateral.

Neste momento ainda temos a possibilidade de posicionar o braquete de acordo com o longo eixo radicular, o que vai trazer uma maior precisão no posicionamento desta peça e melhorar a ação das forças ortodônticas e diminuir as chances de falha de posicionamento dos aparelhos (Fig. 4).

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Criação da malha não retentiva e seleção da região de interesse do guia.

Finalizando esta etapa estamos aptos a seguir para a confecção do modelo anti retentivo. Para gerar este modelo vamos na aba Others e entramos no menu Surface Result e em seguida na opção Import Base Box (Fig. 5, à esquerda).

Após o posicionamento do box e do modelo, ativamos o comando Create Surface que resultará no modelo anti retentivo (Fig. 5, ao centro).

Dica

O capítulo Sistema de Geração de Malhas 3D Anti-Retenção Baseadas em Projeção Z-Depth conta com um passo-a-passo detalhado do funcionamento da ferramenta [MdRD20b].

Um detalhe importante é que essa malha é muito densa ou seja, a quantidade de triângulos é enorme e por isso necessitamos simplificá-la para trabalharmos de maneira mais tranquila e sem a possibilidade de travamento do computador. Para isso iremos nos Modifiers e colocaremos 0,20 ou 0,30 para simplificarmos a malha em 20 ou 30% do conteúdo inicial, ou seja, de cada 10 faces da malha original, a simplificação as converterá em 2 ou 3.

A seguir partimos para o desenho da guia no menu Offset Splint e para fazermos o desenho clicamos em Weight Paint 1. Se for necessário desselecionar alguma parte acionamos o Weight Paint 0 (Fig. 5, à direita).

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Estapas da criação do guia.

Com a região de interesse pigmentada e definida, basta clicar em Create Offset para gerar uma malha expansiva e oca, compreendendo a região definida pela pintura (Fig. 6, à esquerda). A próxima etapa é cortar a superfície do offset para delimitarmos a guia (Fig. 6, ao centro). Usamos a imagem da malha para termos noção da posição dos braquetes e assim vamos fazendo o desenho de acordo com o desejado através das ferramentas Draw Line e Subtract (IN ou OUT).

Após essa delimitação faremos o boolean Difference entre o guia e a malha (Fig. 6, à direita).

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Detalhe do encaixe não-retentivo do guia.

Deixaremos apenas o guia selecionado e fazemos uma operação de Scale para termos um aumento uniforme da peça em 0,08x. Este aumento serve para a adaptação passiva dos braquetes na guia, após isso exportaremos o seu arquivo STL, mas antes utilizaremos a ferramenta Prepares 3D Printing, no menu Guide and Splint Creation, para reorganizar a malha e termos uma melhor distribuição dos polígonos para que a impressão 3d seja efetuada sem imprevistos.

Impressão 3D

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Preparo digital da impressão (à esquerda), impressão finalizada (ao centro) e teste de encaixe dos braquetes na impressão (à direita).

As guias de colagem indireta necessitam de flexibilidade para que a sua inserção seja o mais confortável possível e também para que sua saída após a fotopolimerização da resina seja concluída. Para isto utilizamos neste trabalho o a resina Ortho Flex, Yller Digital.

A impressora utilizada para o trabalho do presente capítulo foi uma Moonray D75, no parâmetro pré determinado para a resina NextDent Ortho Clear, com a resolução de eixo y em 50 mícrons. O posicionamento do modelo segue as orientações de menor área de descolagem e para isso ele foi posicionado em uma angulação próxima a 45° e em seguida inserimos os suportes de maneira automática.

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Processo de transferência dos braquetes aos dentes com o guia anti-retentivo.

Após a impressão seguimos com os processos de limpeza da peça com álcool isopropílico e o pós processamento com luz de LED por 15 minutos para a polimerização das camadas superficiais e para que a resina seja totalmente curada e assim exibir suas melhores propriedades mecânica.

Neste momento a guia se encontra pronta para a inserção dos braquetes e os mesmos deverão ser posicionados cuidadosamente antes da montagem do aparelho. A sequência clínica utilizada foi a clássica ou seja, profilaxia, ataque ácido, aplicação de adesivo e na base do braquete aplicaremos a resina (transbond). A guia é então posicionada na arcada dentária e a fotopolimerização da resina é iniciada.

Conclusão

O OrtogOnBlender se mostrou uma ferramenta apta para ser utilizada na criação de guias de colagem ortodôntica indireta, seja pela possibilidade de gerar malhas anti retentivas que servirão de base para o encaixe, quanto para a modelagem do próprio guia e posterior impressão 3D. Por se tratarem de ferramentas não desenvolvidas especificamente para esse fim, a criação de guias de colagem demandou um conhecimento intermediário dos comandos por parte do operador para o mesmo configurar as peças, no entanto, as características do software permitem que ferramentas específicas e significativamente mais práticas sejam desenvolvidas no futuro, caso a demanda dos usuários aponte para essa necessidade.

Bun12

Sabiha Bunek. What’s new in digital dentistry? 2012. Dental Advisor Dental Advisor Vol. 36.

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