Microscopia de Força Atômica no OrtogOnBlender 3D

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  • Cicero Moraes 3D Designer, Arc-Team Brazil, Sinop-MT

  • Everton da Rosa Cirurgião BMF, Hospital de Base, Brasília-DF

  • Cínthia Caetano Bonatto Bióloga, TecSinapse, Laboratório de Nanobiotecnologia (LNANO), Brasília-DF

  • Luciano Paulino da Silva Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Laboratório de Nanobiotecnologia (LNANO), Brasília-DF

DOI

https://doi.org/10.6084/m9.figshare.12881198.v1


O presente capítulo tem por objetivo apresentar o funcionamento geral da microscopia de força atômica, bem como abordar as ferramentas de importação de arquivos para esse campo no Blender 3D através do add-on OrtogOnBlender.

Importante

Este material utiliza a seguinte licença Creative Commons: Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0).

Microscópio de Força Atômica

Inventado em 1986 o microscópio de força atômica (MFA) ou do inglês atomic force microscope (AFM), permite a visualização e estudo de elementos de dimensões nanométricas, como nanopartículas, ácidos nucleicos e proteínas [FPDMH13].

O escaneamento das amostras é realizado por uma ponteira colocada no final de uma estrutura cantiléver (haste) onde juntos funcionam como uma sonda. Ao deslocar a ponteira sobre a superfície da amostra a mesma é mapeada em 3D por meio dos desvios do ápice da ponteira indicativos de picos ou vales na superfície da amostra. Esses dados mecânicos são capturados por um laser que envia as informações dos desvios para um fotodetector.

Diferente do microscópio eletrônico de varredura que funciona apenas a vácuo, o MFA pode ser utilizado a vácuo, ambiente (ao ar) ou líquido, sendo ideal para o estudo de amostras biológicas quando comparado a outras técnicas de varredura por sonda [Ltd18].

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Funcionamento da ponteira do microscópio de força atômica

Para uma melhor compreensão do funcionamento vamos utilizar como exemplo uma estrutura de 4x4 micrômetros (μm) com uma pirâmide ao centro com 2 μm de altura (Figura 1, 1). O ápice da ponteira se desloca ao longo da amostra e captura pontos específicos com espaçamento padrão registrando a coordenada XYZ (2). A primeira capturada ilustrada é a coordenada 1,2,0, ou seja a base da estrutura é a origem do eixo Z (3). Ao se deslocar e chegar ao topo da pirâmide houve uma movimentação nos eixos X e Z resultando na coordenada 2,2,1 (4). Logo, os espaçamentos capturados pelo exemplo são de 1 em 1 μm (5).

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Estrutura de um arquivo .XYZ

A cada espaçamento de 1μm a ponta capturou um ponto (Figura 2, 1). Cada ponto tem a sua coordenada XYZ (2). O conjunto de capturas foi exportado como o arquivo de texto File.xyz onde cada linha é um ponto e cada número espaçado na linha é um eixo de coordenada. É possível identificar dois deles pela ilustração, o ponto 0,0,0 e o ponto 2,2,2 (3). É importante informar que o formato .XYZ fornece apenas os vértices (pontos), sem as arestas e as faces, então caso o arquivo seja aberto o usuário verá apenas uma série de pontos em um espaço tridimensional (4).

O exemplo apresentado na ilustração é extremamente simplificado, em uma captura real o número de pontos é tão grande que o observador precisaria se aproximar bastante para poder vê-los.

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Passo-a-passo da reconstrução da malha 3D.

Na ilustração (Figura 3) podemos ver um grupo de pontos mais próximo a um escaneamento real (Vertices). Esse modelo pode ser reconstruído em 3D a partir dos pontos (Poisson Reconstruction). O resultado final do processo é uma malha 3D completa, formada por vértices, arestas e planos (3D Mesh).

Outra informação importante está relacionada à limitação do equipamento na captura de uma amostra. Por conta de sua estrutura mecânica, que tem uma ponteira com dimensões finitas na extremidade, o escaneamento é limitado no que se pode abordar pelo topo da amostra, em particular reentrâncias com dimensões inferiores àquelas da ponteira ou ocultas à ela.

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Processo de escaneamento da superfície a partir da ponteira do MFA.

Se tomarmos como exemplo o escaneamento de um corpo esférico sobre uma base (Figura 4, 1), veremos que a ponteira percorre ao longo da superfície até tocar a esfera, a ponta contorna a esfera ignorando a parte inferior da mesma que fica inacessível topograficamente (2), seguindo até o final da esfera, retornando à base, finalizando o escaneamento e também ignorando a parte inferior do outro lado (3). O resultado final é uma estrutura de contorno que não contempla as partes inacessíveis ou intocáveis pelo topo devido à geometria da própria ponteira (4).

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Comparação entre uma amostra original e outra escaneada pelo AFM (casa).

Portando o exemplo inicial para uma visualização 3D, temos dois modelos vistos de cima (Figura 5), o original (1) e o escaneado pelo MFA (2). Aqui ficam evidentes as limitações de digitalização da ponta, posto que uma esfera que levemente toca a base acabou se convertendo em um pino com a parte inferior fixa na base.

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Comparação entre uma amostra original e outra escaneada pelo AFM (casa).

Outro exemplo didático (Figura 6) pode ser uma pequena casa, ao serem observados pelo topo, ambos os modelos se apresentam da mesma forma, mas ao serem vistos pela lateral é possível atestar que o modelo escaneado perdeu as informações da parte inferior (reentrâncias inacessíveis à ponteira), bem como a janela lateral, posto que todos estes detalhes não são visualizados pelo topo.

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Comparação entre uma amostra original e outra escaneada pelo MFA (vaso).

O mesmo se aplica a um vaso (Figura 7), ao observarmos pelo topo ambos são semelhantes, mas pela visão lateral os dados não contemplados pela ponta são perdidos.

Processo de Importação

Exportando como .XYZ

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Interface do software WSxM.

O processo de importação inicia com a abertura do arquivo *.stp no software proprietário WSxW [HR20] ou algum outro similar. Apesar de contar com suporte oficial apenas no sistema operacional Windows, para este exemplo (Figura 8) utilizamos uma instalação no Linux Ubuntu 20.04 através do “emulador” Wine na versão 5.0. Para evitar problemas típicos da renderização 3D, incompatível com as bibliotecas do Wine, optamos pela visualização 2D das capturas.

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Salvando como arquivo .XYZ.

Ao exportar o arquivo no formato ASCII XYZ, tomamos o cuidado de substituir a extensão .txt por .xyz (Figura 9). Esse passo não é obrigatório, posto que funcionará mesmo com a extensão .txt, trata-se apenas de uma boa prática de organização de arquivos.

Importando no OrtogOnBlender

O OrtogOnBlender (OOB) é um add-on para o ensino do planejamento de cirurgia ortognática que roda dentro do software de modelagem e animação Blender 3D. Em face da ampliação do número de usuários o add-on tem recebido novas ferramentas e incorporado submódulos, como o de planejamento de cirurgia ortognática (RhinOnBlender) e o de reconstrução facial forense (ForensicOnBlender). Além destes há ainda outra ferramenta nomeada de OthersOnBlender onde são agrupados os comandos experimentais, como o que será abordado neste material.

Caso haja interesse por parte do leitor em replicar o passo-a-posso aqui exposto é imprescindível que o software seja devidamente instalado e atualizado conforme descrito na documentação oficial [MdRD20a].

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Interface da importação dos arquivos de MFA.

O processo de importação é muito simples, bastando ao usuário indicar onde se encontra o arquivo .xyz e em seguida clicar em “Import and Reconstruct XYZ” (Figura 10).

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Processo de importação de um arquivo .XYZ.

Parte significativa do processo acontece fora do Blender, isso se deve à flexibilidade permitida pelo Python script (Figura 11). O arquivo é aberto no MeshLab em background, recebe um tratamento para que os normals apontem todos para um lado, o que é interpretado como “lado de fora”. Com base nos normals o algoritmo Poisson faz uma reconstrução das faces resultando em uma malha 3D. A malha é então importada para o Blender através do Python script.

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Arquivo .XYZ de uma hemácia importado.

O próprio script configura a cena aumentando os detalhes das arestas da malha 3D, ativando a sombra, melhorando o contraste da penumbra e centralizando o objeto importado (Figura 12).

Segmentando a Região de Interesse

Há ainda a possibilidade de segmentar a região de interesse utilizando as ferramentas agrupadas logo abaixo da importação.

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Pontos posicionados na região a ser segmentada.

Inicialmente é necessário contornar a região com pontos adicionados pelo botão “Create Points” (Figura 13).

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Linha criada para posterior corte da malha 3D.

Uma vez que os pontos foram colocados o usuário pode clicar em “Create Bezier Line” para criar uma linha que passará por todos os pontos (Figura 14). Essa linha será a base de corte para a segmentação.

Importante

Ao fazer o corte é necessário observar o objeto por cima (Top Ortographic).

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Edição da linha de corte.

Caso o usuário não esteja satisfeito com a posição dos pontos e a linha de corte, há ainda a possibilidade de alterar as posições selecionando a linha, entrando em Modo de Edição e alterando as posições (Figura 15).

Importante

Atenção ao mover os pontos, os mesmos ficarão “grudados” na superfície da malha, a movimentação se limitará às área e volume desta. Assim que finalizar a edição selecione novamente a malha principal (escaneada pelo microscópio), caso contrário a segmentação não funcionará!

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Região correspondente à hemácia já segmentada.

Ao clicar em “Cut Line” a região de interesse é segmentada resultando em duas malhas individuais (Figura 16).

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Região inferior aberta ou oca.

A malha é naturalmente “oca” e a segmentação evidenciou a abertura inferior do modelo (Figura 17).

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Região inferior fechada.

Caso o usuário opte por fechá-la, o que permitirá dentre outras coisas calcular o volume ou mesmo imprimir em 3D a peça, ele pode clicar em “Close All Holes” (Figura 18).

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Hemácia com shader disponível nos Matcaps do Blender.

Em “Matcaps” há uma série de opções de shaders pré-definidos onde o usuário poderá trocar a forma na qual o objeto é visualizado na 3D View (Figura 19).

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Hemácias de diferentes espécies de animais importadas individualmente.

O add-on permite múltiplas importações em um mesmo arquivo, viabilizando assim comparações e medidas das estruturas tanto lineares quanto por volume (Figura 20).

Conclusão

A ferramenta mostrou-se eficaz na importação dos arquivos criados pelas observações efetuadas em microscópio de força atômica importando os modelos, preservando as suas escalas e permitindo explorar uma série de ferramentas disponíveis em um software de edição, modelagem e animação 3D.

FPDMH13

Maria Eugenia Fuentes-Pereza, Mark S. Dillingham, and Fernando Moreno-Herrero. Afm volumetric methods for the characterization of proteins and nucleic acids. 2013. URL: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1046202313000248.

HR20

Julio Gómez Herrero and José María Gómez Rodríguez. Wsxm. 2020. URL: http://www.wsxm.es/download.html.

Ltd18

Nu Nano Ltd. Benefits of atomic force microscopy (afm). 2018. URL: https://www.azonano.com/article.aspx?ArticleID=4966.

MdRD20a

Cicero Moraes, Everton da Rosa, and Rodrigo Dornelles. Ortogonblender - documentação oficial. 2020. URL: http://www.ciceromoraes.com.br/doc/pt_br/OrtogOnBlender/index.html.