Protocolo de Tratamento e Planejamento Digital para Fraturas de Mandíbulas Atróficas

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  • Frederico Yonezaki Cirurgião Bucomaxilofacial, Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo-SP

  • Esdras Façanha de Carvalho Residente do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo-SP

  • Gustavo Luiz Alkmin Paiva Residente do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo-SP

  • Cicero Moraes 3D Designer, Arc-Team Brazil, Sinop-MT

  • Gustavo Grothe Machado Diretor do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Hospital da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo-SP

DOI

https://doi.org/10.6084/m9.figshare.13052990


O presente capítulo tem como objetivo descrever a utilização da simulação cirúrgica auxiliada por computador no tratamento de fraturas de mandíbulas atróficas com uso do add-on OrtogOnBlender associado a impressões 3D de guia para redução e estabilização das fraturas e biomodelo para modelagem de placa reconstrutiva.

Importante

Este material utiliza a seguinte licença Creative Commons: Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0).

Fratura de Mandíbula com Atresia Severa

A perda óssea alveolar é consequência do edentulismo, e quando iniciada precocemente, pode levar à atrofia óssea severa da mandíbula [LRM] [Ell]. Quando da ocorrência de fraturas nesta situação, as adversidades impostas pela deficiente espessura óssea e a impossibilidade de realização de bloqueio maxilomandibular, dificultam uma apropriada redução cirúrgica dos cotos ósseos fraturados. Além disso, uma adaptação adequada do sistema de fixação interna rígida composta por placas reconstrutivas de titânio se torna um desafio, podendo resultar em desalinhamento da fratura e consequente assimetria facial.

A redução aberta e fixação interna (ORIF) com um hardware de carga compreende uma abordagem padrão ouro para tratar mandíbula atrófica com fratura luxada. Porém, nesta modalidade de tratamento existem diversos protocolos cirúrgicos relatados na literatura [WFCD] [XGeaa] [RPR]. Muitos deles são projetados para minimizar as dificuldades transoperatórias, como a estabilização da fratura durante a redução, principalmente nas fraturas corporais bilaterais, e a flexão da placa que é frequentemente realizada de ângulo a ângulo. As complicações associadas são assimetria e alterações entre a posição da cabeça condilar e fossa mandibular [LRM].

A aplicação do planejamento cirúrgico virtual (VSP) em deformidades dentofaciais complexas [XGeab] [CJPT] e reconstrução de mandíbula com retalho livre de fíbula [LBea] [eGS] é uma técnica bem estabelecida. No entanto, poucos ensaios clínicos sobre o manejo de lesões por trauma mandibular com aplicação de VSP foram publicados [RPR] [MJSS]. Nosso objetivo é relatar um novo método para VSP e fabricação assistida por computador para o tratamento de fratura mandibular atrófica em um paciente idoso com trauma.

Relato de Caso

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Tomografia computadorizada inicial. Corte coronal: A espessura do corpo mandibular de aproximadamente 8 mm evidencia o grau severo da atrofia mandibular. Reconstrução 3D: Aspecto do deslocamento da fratura bilateral de corpo mandibular.

Uma paciente de 72 anos de idade, vítima de acidente ciclístico com trauma facial, portadora de fraturas faciais, foi encaminhada ao Departamento de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo, Brasil. A tomografia computadorizada evidenciou uma fratura bilateral do corpo da mandíbula com deslocamento importante do segmento anterior (Figura 1). A altura do corpo mandibular foi de cerca de 8 mm em ambos os lados, classificada como uma atrofia severa da mandíbula.

Planejamento Cirúrgico Virtual

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Planejamento cirúrgico virtual: Separação da mandíbula do crânio e segmentação dos cotos ósseos fraturados.

As imagens de tomografia computadorizada (TC) foram adquiridas no formato Digital Imaging and Communications in Medicine (DICOM). Esses conjuntos de dados foram importados para o Blender 2.80 (Blender Foundation, Amsterdam, Holanda), com o uso do addon OrtogOnBlender [MDdR20] para planejamento cirúrgico virtual (VSP). Na primeira etapa, a imagem foi limpa, eliminando pequenos artefatos flutuantes, os osso vertebrais e o hióide. A segunda etapa foi alinhar o modelo 3D a um plano horizontal de Frankfurt. Usando um “Modo de Edição” no Blender, os pontos de contato bilaterais entre a fossa mandibular e o côndilo foram resolvidos para obter uma segmentação mandibular completa do crânio. A mandíbula foi posteriormente segmentada em 3 partes nas áreas acometidas pelas fraturas (Figura 2).

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Planejamento cirúrgico virtual: Redução anatômica das fraturas mandibulares com o reestabelecimento dos contornos.

Após a conclusão do processo de segmentação, uma redução anatômica virtual da fratura foi alcançada e cautela foi tomada para evitar uma penetração interfragmentar. Isso pode ser verificado no modo de visualização de wireframe. Um cuidado especial foi tomado para manter os côndilos em uma posição adequada na fossa mandibular durante a redução virtual das fraturas mandibulares virtuais (Figura 3).

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Desenho do guia cirúrgico: Modelado na base da mandíbula, evitando a área de instalação da placa reconstrutiva. Perfurações na porção inferior do dispositivo de 1,65 mm de diâmetro foram obtidas através da diferença.

Seguindo o procedimento de redução virtual da fratura, o guia cirúrgico foi confeccionado e modelado para se ajustar à superfície basal da mandíbula na posição alcançada pela redução (Figura 4). Para a aplicação simultânea de uma placa reconstrutiva de 2,4 mm e guia cirúrgico basal, foi tomado o cuidado de evitar que o guia cirúrgico cruzasse a face externa ou vestibular da mandíbula.

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Isolamento das áreas de interesse para impressão 3D: Área útil mandibular para modelagem da placa reconstrutiva e o guia cirúrgico para redução e estabilização das fraturas ósseas.

As áreas de interesse para impressão 3D foram isoladas e segmentadas (Figura 5).

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Impressão 3D: Realizada em impressora de filamentos. Material: Tritan.

O modelo 3D da mandíbula e o guia cirúrgico foram exportados para uma impressora 3D de filamentos (Figura 6). Ambas as peças impressas foram encaminhadas para procedimento de esterilização.

Procedimento Cirúrgico

Com o paciente sob anestesia geral, as fraturas de mandíbula foram expostas por meio de uma abordagem de cervicotomia (Figura 8-A) enquanto outro cirurgião sênior procedeu com a modelagem da placa reconstrutiva mandibular de ângulo a ângulo com o auxílio do modelo 3D de mandíbula (Figura 7).

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Preparo do material para fixação interna rígida: Modelagem da placa reconstrutiva do sistema 2,4 mm baseada na posição final das reduções das fraturas mandibulares.

Em seguida, o guia cirúrgico basal foi fixado com parafusos monocorticais de 1,6 mm para redução das fraturas e estabilização temporária conforme descrito a seguir: Primeiramente, a guia foi conduzida no segmento anterior considerando referências anatômicas. Em seguida, foi reduzida a fratura do corpo direito seguido do lado esquerdo (Figura 8-B). A posição final alcançada foi avaliada antes da fixação do hardware. As etapas acima mencionadas forneceram estabilização temporária de segurança e redução precisa da fratura e levaram apenas alguns minutos de todo o tempo operatório.

A placa reconstrutiva de 2,4 mm foi instalada com sucesso (Figura 8-C). O guia cirúrgico foi retirado e o fechamento foi realizado através de sutura por planos.

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Trans-operatório. A: Aspecto do deslocamento das fraturas mandibulares. B: Guia cirúrgico em posição, promovendo a redução e estabilidade dos cotos ósseos. C: Placa reconstrutiva do sistema 2,4 mm instalada com o guia cirúrgico fixo.

Acompanhamento Pós-Operatório

A radiografia panorâmica pós-operatória mostrou boas posições condilares, adaptação de fixação interna rígida e redução de fraturas (Figura 9).

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Radiografias pós-operatórias: Aspecto da redução das fraturas obtidas, contornos mandibulares recuperados com simetria satisfatória.

O exame de tomografia computadorizada evidenciou um resultado semelhante ao planejado com o auxílio da simulação cirúrgica assistida pelo software.

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Comparação entre as malhas da redução planejada e do resultado pós-operatório. Anatomia mandibular restabelecida, com posicionamento condilar semelhante ao planejado.

Conclusão

O planejamento cirúrgico virtual é uma tecnologia valiosa que pode melhorar os resultados e deve ser considerada no tratamento de fraturas mandibulares atróficas graves. No caso relatado, a utilização desta técnica promoveu um reduzido tempo cirúrgico, satisfatória precisão de redução das fraturas com resultados previsíveis, além de custos reduzidos, com a utilização de software livre e impressão de modelos 3D. Mais estudos são necessários para avaliar a viabilidade e reprodutibilidade da guia cirúrgica basal neste tipo de fratura de mandíbula. O uso de software de código aberto também deve ser avaliado a fim de minimizar a quantidade de custos na tecnologia, enquanto melhora os resultados cirúrgicos.

CJPT

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eGS

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Ell

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MJSS

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XGeaa

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