Usando a Fotogrametria no Projeto de um Suporte de Monitores Confeccionado com Materiais Reutilizados

Cicero Moraes
3D Designer, Arc-Team Brazil, Sinop-MT

Data da publicação: 8 de fevereiro de 2022
ISSN: 2764-9466 (Vol. 3, nº 1, 2022)
ISBN: 978-65-00-47050-5
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Neste capítulo será apresentado ao leitor o projeto e execução de um suporte para monitores, modelado sobre uma estrutura prévia, formada por caixas e livros e digitalizada em 3D por fotogrametria (escaneamento por fotos). Para a execução foi utilizada uma série de chapas de MDF, reaproveitadas de um móvel velho e desmontado. O projeto é baseado em tecnologia acessível, livre e de código aberto, bem como no reaproveitamento de material visando um compromisso com o meio ambiente e uma maior qualidade de vida ao indivíduo, uma vez que o mesmo será beneficiado não apenas pelo aspecto econômico e ecológico já supracitados, mas também pelo aspecto ergométrico da estrutura. Por se tratar da experiência de uma pessoa com pouco conhecimento na confecção de móveis e ser significativamente detalhado, o capítulo permitirá ao leitor, caso queira proceder com um projeto próprio, evitar cometer os mesmos erros do autor durante o projeto e execução do suporte, que ao final foi bem sucedido e se mostrou replicável.

Atenção

Este material utiliza a seguinte licença Creative Commons: Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0).

Sobre o Material Base

O presente capítulo foi composto em uma região com ampla oferta de móveis de MDF (Medium-Density Fiberboard), esse material é derivado da madeira, cujas fibras são separadas e posteriormente compactadas com a adição de uma resina para criar chapas das mais variadas dimensões.

Por se tratar de uma opção mais barata do que os móveis de madeira maciça, há um grande número de casas e escritórios mobiliados com tal tecnologia. Se por um lado o produto conta com uma série de vantagens que fazem o MDF um sucesso de vendas, obviamente há também desvantagens, dentre elas a pouca tolerância à umidade, que faz as chapas incharem e em alguns casos, até comprometer a estrutura do móvel.

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Matéria televisiva capturando o guarda-roupa em 2015, desmontado 6 anos depois e reutilizado para criar o suporte dos monitores

Um guarda roupa de 6 portas (Fig. 1) tendo como material o MDF foi adquirido nos idos de 2004 e manteve-se em uso até 2021, quando a estrutura do mesmo apresentou problemas por conta da exposição à umidade ao longo de 17 anos. Apesar da base do móvel ser totalmente descartada, ainda foi possível salvar parte considerável da estrutura, como as portas e as divisórias internas. Algumas chapas foram reutilizadas para a criação de outros móveis como estantes e suportes para calçados, mas ainda assim, parte significativa das demais chapas não foi utilizada, sendo armazenada para uso futuro.

Sobre a Configuração do Suporte

O autor do capítulo pretendia adquirir um monitor curvo para proceder com seus trabalhos de computação gráfica 3D, mas frente ao custo elevado da peça, optou por comprar separadamente 3 monitores e criar um desktop distribuído. Com o tempo a adição de um quarto monitor foi necessária, para complementar a visualização dos dados com um terminal Linux.

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Configuração estrutural dos monitores utilizando caixas e livros para chegar à altura correta

A disposição dos monitores foi configurada de modo a permitir que o usuário mantivesse uma postura ergonomicamente correta, sem sobrecarregar a coluna ou o pescoço. O ajuste da altura dos monitores foi feito com a colocação dos mesmos sobre caixas e livros até que o alinhamento correspondesse às necessidades do operador (Fig. 2). Uma vez que a configuração foi definida era chegado o momento de projetar um suporte para eles, mas esse trabalho, se fosse executado manualmente, levaria um tempo considerável e poderia gerar grandes problemas na execução, principalmente pelo fato do autor não ter experiência na confecção de móveis.

Uma saída para tal problema seria a digitalização 3D da cena, uma vez que, tendo a disposição dos monitores definidas e a cena escaneada, o autor simplesmente projetaria o móvel sobre os dados colhidos, economizando tempo e aumentando a chance de sucesso.

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Thumbnails com alguns das 26 fotos tomadas em arco da estrutura prévia

Uma série de fotografias (Fig. 3) em arco foi tomada em duas alturas diferentes e serviu como base para a digitalização 3D por fotogrametria, uma técnica que permite escanear um objeto ou ambiente com dados colhidos de imagens (fotos). A sequência de imagens foi a mesma utilizada pelo Protocolo de Fotogrametria da Face [A17] e ainda que se tratasse de um objeto diferente, serviu muito bem para o propósito em questão.

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Cena digitalizada em 3D por fotogrametria (26 fotos)

Apesar de conter a disposição dos modelos na posição final, a digitalização ocultava a base do monitor superior da região central, bem como o suporte do monitor inferior (Fig. 4), não permitindo ao autor acessar regiões e dados importantes para a projeção do móvel.

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Cena digitalizada em 3D com o monitor inferior deitado

Uma outra fotogrametria foi efetuada (Fig. 5), desta feita com o monitor inferior deitado, assim, de uma só vez foi possível acessar a região oculta do monitor superior, bem como o suporte do monitor inferior. É sabido dos usuários das técnicas que a digitalização por fotos geralmente não redimensiona os objetos na escala, a menos que tenha alguma notação na cena, o que não é o caso desse exemplo. Deste modo é necessário redimensionar baseando-se em uma ou mais medidas conhecidas e de preferência grandes. No exemplo da imagem foram levantadas duas medidas, uma relacionada ao monitor e outra a uma caixa que servia de suporte. Em ambos os casos a precisão se mostrou mais do que satisfatória, posto que ambos se compatibilizaram à distância real.

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Digitalizações alinhadas com monitor de pé (lilás) e deitado (bege)

Os dois modelos resultantes foram alinhados (Fig. 6), o que permitiu o levantamento das medidas e ângulos presentes na cena. Mesmo não sendo o foco do trabalho, parte das paredes também foram digitalizadas e a abertura se aproximou muito dos 90 graus. Com toda a cena devidamente digitalizada, era chegado o momento de projetar o suporte sobre a mesma.

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Modelagem executada sobre a fotogrametria sem o monitor inferior

Além dos monitores, foi necessário levantar os dados de um nobreak posicionado na parte inferior da estrutura, que era utilizado anteriormente como base de suspensão para um dos monitores. Essa etapa do trabalho consistiu em criar uma estrutura (Fig. 7) que respeitasse a disposição dos monitores, que não colidisse com nenhuma parte do monitor inferior (por isso a abertura) e permitisse ao mesmo tempo que o usuário acessasse o botão de ligar e desligar do nobreak, bem como pudesse adicionar ou retirar cabos conectados na força e nos monitores.

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Modelagem executada sobre a fotogrametria com o monitor inferior

Parte significativa da estrutura central ficaria oculta pelo monitor inferior, mas ainda assim o usuário teria à sua disposição uma abertura à esquerda para acessar o botão de ligar do nobreak, sem precisar remover o monitor provisoriamente (Fig. 8).

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Planta básica do suporte para monitores

Uma base com a planta do móvel foi gerada (Fig. 9), de modo que permitisse o traçado das distâncias sem a necessidade de um transferidor. A maioria das medidas foi posicionada em 90 e 180 graus, sendo necessário apenas um esquadro e uma régua para serem traçadas na madeira a ser cortada. O único componente adicional necessário, além da planta, foi saber a altura da estrutura, definida em 225 mm.

Execução do Projeto

Cabe documentar aqui que o autor não conta com experiência na criação de móveis e que esse projeto levou um final de semana para ser idealizado e executado. Em face dessa celeridade eram esperados alguns desafios não imaginados em um primeiro momento, bem como algumas pequenas incompatibilidades e erros durante o processo de execução.

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Planta básica do suporte para monitores

Para o traçado não foi possível recorrer a um esquadro clássico; no caso em questão, o autor contava apenas com um lápis, uma régua e uma grande folha de calendário (Fig. 10) que fez às vezes de esquadro, para que as linhas respeitassem a projeção original. Para testar o “esquadro”, o autor posicionou a folha na linha do limite superior da aresta da chapa de MDF, colocou a régua sobre o limite lateral da folha e fez um traço. Em seguida fez uma rotação de 180 graus tendo como fulcro o limite lateral, posicionou a folha novamente na aresta, corrigiu a posição lateral na mesma origem e traçou uma linha. As duas linhas coincidiram, mostrando a boa acurácia do esquadro improvisado.

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Traçado finalizado sobre a chapa de MDF

No entanto, no momento do traçado o autor cometeu um pequeno erro que não chegou a comprometer o projeto, na verdade o mesmo foi imperceptível para um observador desavisado (Fig. 11), mas caso se tratasse de um móvel estritamente planejado poderia custar um ajuste ou reconfecção parcial. Observando a planta baixa, vê-se que na parte inferior há uma medida de 499.55 mm (o m é uma convenção do add-on Measureit utilizado para as medidas, basta desconsiderar) e na parte superior 588.32 mm. Ao observar o desenho o autor se confundiu e fez a parte inferior com 588.32 mm. Caso o autor observasse e medisse o espaço total (1345.79 mm) o erro seria evidenciado, mas ao traçar o desenho, ele percebeu que poderia deixar a parte central mais grossa do que o plano original (já que há espaço ao fundo), fazendo uma melhoria na estrutura que custaria a precisão final, posto que essa desatenção fez com que a medida total não fosse testada.

A dica que fica aos que pretendem fazer uma empreitada semelhante é tentar resolver todos os problemas de traçado ainda na fase de desenho e mesmo que façam pequenas melhorias ao longo da execução, não perder de vista a compatibilidade do traçado com o projeto, pois como diz o ditado:

Meça duas vezes, corte uma vez!

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Traçados indicativos complementares dentro da estrutura principal

Para auxiliar no corte das demais peças e no parafusamento, o autor projetou no traçado a posição dos demais pedaços (Fig. 12), bem como a posição dos parafusos para posterior pré-perfuração. A ideia mostrou-se muito útil e facilitou significativamente o andamento da execução, mas a mesma também poderia ter sido efetuada na fase de projeto, para melhorar ainda mais a compatibilidade do modelo final e antever alguns problemas que apareceriam.

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Chapa cortada com as bordas preparadas com cola escolar

Os cortes foram efetuados com uma serra tico-tico da marca DeWalt® e as regiões onde as fibras do MDF ficaram expostas receberam um tratamento à base de cola escolar para evitar descamação (Fig. 13). Como a chapa em questão fora um elemento de divisão do guarda roupa original, a sua superfície contava com uma série de perfurações onde pinos, parafusos e suportes outrora se encaixaram. Para corrigir esses buracos, foi utilizado um composto da serragem proveniente dos cortes da tico-tico, embebidos com cola escolar. O composto então era usado para preencher os espaços, corrigindo assim os acidentes da superfície.

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Modelo finalizado antes do acabamento

Um outro aspecto que levantou preocupação na fase da execução e que não fora aventado no projeto, se remeteu à sustentação do suporte. Durante a fixação das peças ficou claro que algumas “vigas” seriam necessárias para manter a base firme e a peça em pé. Além disso, a saída dos fios à direita teria que ser suprimida, de modo a dar lugar a uma parede maior e essa ajudar na sustentação. Outro elemento que se mostrou de difícil execução foi a pequena parede que iria no lado direito da peça e ocultaria o vão deixado pelo monitor. Além do corte de junção pela lateral cobrar destreza do executor, a sua fixação necessitaria de estruturas complementares que poderiam comprometer a colocação do nobreak na parte inferior da região central. Ao final optou-se por manter o vão totalmente aberto (Fig. 14).

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Modelo recebendo o acabamento

Após a finalização da parte estrutural, o suporte fora superficialmente lixado e recebeu uma camada de Primer para Metais e PET e Vidro da Acrilex®. Em seguida foram passadas duas demãos de PVA Tinta Fosca Artesanato também da Acrilex® (Fig. 15). Os dois produtos não foram comprados para esse fim, eles haviam sobrado de outro projeto envolvendo impressão 3D por filamento e pintura e foram reaproveitados.

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Modelo finalizado com acabamento aguardando secagem

A peça final foi terminada após a pintura. Na imagem (Fig. 16) é possível ver uma pequena viga na parte esquerda, utilizada para manter a estrutura firme e à direita o corte alterado para a saída dos fios, com abertura suficiente para a passagem de cabos VGA, HDMI e afins.

Montagem

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Suporte montado e pronto para o uso

Pela leveza do material, a instalação do suporte não representou grande desafio. O autor apenas retirou os livros e caixas que suportavam os monitores, colocou o móvel um pouco à frente da estrutura e transferiu os monitores sem a necessidade de retirar todos os fios e conexões. O erro de traçado que alargou o centro da peça, apesar de não permitir um posicionamento perfeito da base do monitor, não ficou evidente para observadores desavisados e tampouco representou um problema de sustentação, posto que 3 dos quatro pezinhos do monitor permaneceram posicionados sobre a superfície. O erro também contribuiu para uma menor distância entre o suporte e o gabinete do computador, de modo a expor menos a região de fixação, que foi ocultada pelo posicionamento de um HD externo na frente do espaço.

Conclusão

A fotogrametria se mostrou uma forte aliada na simplificação do levantamento estrutural de projetos de móveis, baseados em estruturas prévias como caixas e livros, focando na boa postura do usuário ao utilizá-los. Para a execução do suporte não foi necessária grande experiência por parte do montador, mas uma atenção extra na fase do projeto e no momento de sua execução, como a contínua e repetida checagem e comparação dos dados, pode reduzir significativamente os erros ao longo do processo. Além disso, um projeto, mesmo que idealizado de forma eficaz, não evita que observações posteriores gerem um melhoramento no desenho do móvel, ou seja, a experiência é peça fundamental para o desenvolvimento de trabalhos cada vez melhores, principalmente neste caso, em que o uso da peça final é totalmente prático e por longos períodos de tempo.

Agradecimentos

O autor agradece à sua esposa Lis Moura por ajudá-lo a desmontar o guarda-roupa, cujas peças foram reutilizadas para este projeto, bem como à sua sogra Juecy Ferreira, por, além de emprestar as máquinas, ensiná-lo como utilizá-las e ajudar na execução do projeto do suporte. Agradecimentos também ao arqueólogo João Henrique Rosa pelas correções e melhoramentos no texto.