Guia Prático de Astrofotografia Amadora com Software Livre¶
ISBN: 978-65-00-29233-6
O presente capítulo tem por objetivo abordar de modo sucinto e prático a tomada de fotografias de astros utilizando um telescópio e uma série de softwares livres disponíveis gratuitamente na internet. Como o próprio título indica, trata-se de um material orientado a iniciantes, estendendo-se aqueles que desejam aprender um pouco mais sobre astrofotografia, mas evidentemente, não esgota o assunto que é notoriamente amplo, com possibilidades infinitas de abordagens e análises. Aqui serão apresentadas técnicas voltadas à captura da Lua e de alguns planetas do sistema solar.
Aviso
O foco deste material é a captura e edição de imagens. Caso deseje saber o básico sobre telescópios e observações há uma série de materiais disponíveis abertamente na internet.
Atenção
Este material utiliza a seguinte licença Creative Commons: Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0).
introdução¶
Em 1609 o polímata Galileu Galilei fez as suas primeiras descobertas astronômicas. A luneta já existia e era utilizada majoritariamente para observações terrestres. O que ele fez, depois de tomar conhecimento do equipamento, foi desenhar o seu próprio modelo, objetivando a documentação dos astros [A38]. Era comum entre os cientistas da época, descreverem a Lua como um corpo liso, mas graças às observações de Galileu, descobriu-se que o satélite continha montanhas e um relevo muito mais rico do que fora documentado até então.
Ao apontar o seu equipamento para Júpiter ele descobriu as quatro luas visíveis que posteriormente seriam conhecidas como luas galileanas: Europa, Ganímedes, Io e Calisto. Posteriormente a observação se voltou a Vênus e ao contemplar as suas fases, Galileu foi capaz de aferir que o mesmo orbitava em torno do Sol, estrela também observada e cujas manchas solares ele documentou.
A história de Galileu Galilei é muito rica e conta com episódios marcantes amplamente influenciados pelas suas descobertas, mas esse não é o escopo do presente capítulo. A breve introdução serve apenas para demonstrar o quão antiga é a ciência da observação dos corpos celestes e como até hoje, pouca gente teve a oportunidade de apontar um telescópio para o céu e maravilhar-se com o que viu. O objetivo é ajudar os iniciantes e interessados a lançar mão das novas tecnologias para a documentação visual dessas observações.
Os Desafios da Astrofotografia¶
Atenção
As capturas apresentadas neste capítulo foram efetuadas com um Telescópio Greika 90600 Refrator Azimutal [A8]. A escolha se deveu a faixa de preço e a presença de exemplos de observações disponíveis na internet. Na ocasião da compra, a faixa de preço do telescópio era de R$ 750,00 ou US$ 148, já com o frete incluso.
Um dos grandes desafios da astrofotografia é conseguir capturar boas imagens no telescópio. Muitas pessoas simplesmente seguram o celular sobre a lente do equipamento e filmam ou fotografam, resultando em capturas tremidas e/ou com pouca resolução.
Felizmente existem maneiras de se contornar o problema e aqui será exposta uma abordagem que além de fixar o celular, também permite alterar as configurações da câmera sem tocar a tela e fazer o telescópio tremer.
Atenção
Nenhum item utilizado para adaptar o smartphone ao telescópio foi comprado, se tratam de peças reaproveitadas ou que já estavam disponíveis antes do estudo apresentado neste capítulo.
Para o exemplo foram utilizados os seguintes itens (Fig. 1):
Smartphone;
Fixador da lente ao suporte (feito com um pedaço de cano de PVC, papel e adesivo para ajustar a espessura);
Suporte para celular ajustável;
Prendedor de um suporte de smartphone quebrado;
Teclado com touchpad.
Inicialmente tome a lente a qual deseja utilizar (Fig. 2, A) e antes de proceder com a fixação do smartphone coloque-a no telescópio e ajuste o foco no corpo celeste pretendido, assim não será necessário fazê-lo depois de tudo montado, pois o fato da tela do celular ser pequena pode induzir a um foco mal feito. Encaixe o fixador da lente (Fig. 2, B). Encaixe a lente no suporte do celular e ateste a firmeza da fixação (Fig. 2, C). Ajuste o fixador de modo que o celular fique fixo (Fig. 2, D) e ajuste também a posição da lente, mirando o celular para um local claro, de modo que você veja toda a área de captura da lente (Fig. 2, E).
Uma vez ajustado, use o fixador para reforçar a segurança do celular, evitando que o mesmo caia durante a observação (Fig. 3, F). Coloque a lente no telescópio com toda a estrutura fixada (Fig. 3, G). Ative o teclado com touchpad e teste o acesso às configurações da câmera (Fig. 3, H).
Exemplos Capturas em Vídeo¶
Uma série de vídeos foram capturados utilizando a estrutura de fixação do smartphone no telescópio. Seguem os links para apreciação.
Super Lua de 26 de maio de 2021.
Lua observada pelo telescópio Greika 90060 - lente de 4mm.
Saturno observado com um telescópio Greika 90060.
Lua - Telescópio Greika 90060 - lente 12.5 mm.
Astrofotografia na Prática¶
A Lua¶
Escolhendo a Lente do Telescópio¶
O telescópio utilizado neste capítulo oferece quatro opções de lente: 20 mm, 12.5 mm, 8 mm e 4 mm.
A lente de 20 mm permite a fotografia completa da Lua, mas isso compromete a resolução total, posto que a imagem final terá menos pixels e logo, menos resolução. Além disso, mesmo que o astro possa ser capturado completamente há uma perda de qualidade nos limites da foto por conta das aberrações cromáticas, sendo assim, torna-se necessária a captura de várias imagens para posterior composição de mosaico (Fig. 4).
A lente de 12.5 mm captura apenas uma parte da Lua, com boa qualidade e com aberrações cromáticas leves como na lente de 20 mm.
A lente de 4 mm captura uma pequena parte da Lua, com fortes aberrações cromáticas, o que não difere muito da lente de 8mm.
Para a composição que será apresentada, optou-se pela montagem de um mosaico composto por pequenas regiões fotografadas utilizando uma lente de 12.5 mm.
Segmentando a Região de Interesse¶
Atenção
Uma vídeo aula abordando o conteúdo aqui exposto está disponível para o leitor deste capítulo. O autor orienta que uma leitura inicial seja feita e posteriormente o acompanhamento da aula disponível no no YouTube.
Ao todo foram efetuadas 153 tomadas fotográficas, atividade que levou cerca de 14 minutos. O telescópio era apontado para o astro e uma faixa do mesmo era capturada a cada movimentação no sentido vertical. Assim que a Lua desaparecia do campo visual o telescópio era reajustado de modo a capturar uma faixa ao lado, com leve transposição entre uma e outra faixa.
Para um observador desavisado a imagem apresentada (Fig. 5) dá a entender que se trata da Lua completa, mas na verdade é apenas uma pequena parte da mesma.
Analisando com mais detalhes é possível compreender que o corpo celeste é significativamente maior do que a área fotografada (Fig. 6), representado pela linha tracejada indicada como Projeção da Lua Completa. Há um escurecimento na parte direita que na verdade se trata, como indicado, de uma Falha no Encaixe da Câmera no momento em que a mesma fora acoplada no telescópio. Nesse caso tratou-se de mera imperícia do observador, fruto de sua inexperiência, mas é possível aproveitar de modo eficaz uma maior área de captura, desde que ajuste a lente da câmera do capturador, no caso o smartphone, de modo mais alinhado e perpendicular à lente do telescópio. Além da sombra gerada pelo desalinhamento é possível notar um desfoque maior na região e por conta disso, a Área Utilizada sofreu uma pequena redução de modo a capturar o mínimo possível daquela parte distorcida pela lente.
Dica
Para evitar a região escura e com distorção, procure alinhar corretamente a câmera e pré-visualizar uma área mais iluminada e completamente capturada da Lua e só depois de atestar que tudo se encontra bem ajustado, proceda com as tomadas.
Existem várias maneiras de selecionar a região de interesse a ser isolada em uma sequência de fotografias. Para esse exemplo utilizou-se o editor de vídeo do software Blender 3D (Fig. 7). O aplicativo oferece a possibilidade de adicionar uma série de fotografias (chamada de sequência) e em seguida adicionar efeitos que limitam a área de interesse e finalmente, ajustar a posição das imagens para centralizar a região de interesse.
Ao segmentar a região as imagens resultantes fornecem uma captura com pouquíssimas aberrações cromáticas e borrões (Fig. 8).
Das 153 imagens capturadas e segmentadas, foram selecionadas 82. Esse passo tornou o processamento final mais rápido, além de excluir imagens que não forneciam dados, com grande parte tomada por uma área escura, sem a superfície lunar (Fig. 9).
Composição da Imagem em Alta Resolução¶
Uma vez que as imagens foram segmentadas e armazenadas em um diretório distinto é o momento de juntá-las todas em uma única composição (Fig. 10). O software utilizado para tal tarefa é o Hugin, desenvolvido para a criação de panoramas a partir de uma série de fotografias.
A propósito, a técnica de composição a partir de várias imagens já foi abordada no capítulo intitulado Lunetas, Macros e Microscópios Digitais de Baixo Custo na Fotografia e Fotogrametria 3D [A23].
Atenção
Assim como foi feito no subtítulo anterior, este aqui também conta com uma vídeo aula gravada com o passo-a-passo para a composição. O leitor é orientado a ler o texto e posteriormente assistir ao material disponível no YouTube.
Se as imagens estiverem bem configuradas, a junção de todas em um arquivo final transcorre de modo muito simples. Basta clicar em Carregar imagens e carregar as 82 capturas, em seguida indicar o Tipo de lente como Equirretangular, indicar a Distância focal em 900, clicar em Alinhar e aguardar até o software calcular a posição de cada parte do mosaico. Assim que o cálculo é finalizado é possível que seja necessário ajustar a região final da imagem em Cortar. Ao final, gera-se o arquivo composto em Criar panorama (Fig. 11).
Ao criar o panorama existem várias opções disponíveis, dentre elas manter os arquivos gerados durante o processo. No caso do exemplo utilizado neste capítulo o processo foi finalizado sem problema algum, mas não é incomum que erros ocorram. No caso de algum erro persistir o usuário poderá juntar as peças do mosaico manualmente em um editor de imagem. Há uma diferença entre os arquivos trabalhados no Hugin e aqueles advindos da segmentação no editor de vídeo do Blender. No caso da segmentação, os arquivos podem conter distorções de lentes, os arquivos do Hugin são ajustados para corrigir essas distorções de modo que as regiões fiquem compatibilizadas, podendo ser montadas por sobreposição.
A imagem resultante do Hugin é um grande arquivo TIF, geralmente com canal alpha “aparente” (Fig. 12).
A sequência utilizada neste capítulo passou por um ajuste de brilho e contraste, além da correção da rotação (Fig. 13).
E uma vez que temos uma imagem praticamente ortográfica é possível proceder com uma engenharia reversa, projetando a foto em uma esfera e organizando o UVMap de modo a extrair uma textura bidimensional que servirá como mapa (Fig. 14).
Pode-se acompanhar as fases da Lua, inclusive com a variação de coloração característica de alguns períodos (Fig. 15). É possível ver a diferença de cor presente na observação do dia 26 de maio de 2021, em ocasião da “superlua de sangue”.
Ainda que demande significativamente mais trabalho, é possível criar um painel completo da Lua utilizando uma lente menor. No exemplo vê-se uma sequência horizontal de 10 fotografias resultando em uma imagem com grande resolução na região das crateras (Fig. 16).
Ao se comparar os mosaicos compostos por imagens de fotografias com as lentes de 12.5mm versus as lentes de 4mm é possível se ter uma boa ideia da diferença de escala de ambos (Fig. 17).
Para que o observador extraia boas sequências é imprescindível que o mesmo tenha um bom conhecimento da geografia da Lua, posto que se trata de captura manual e saber quais áreas foram sobrepostas é determinante para a composição final do mosaico. Ignorar esse fato pode custar horas de trabalho perdidas pela falta de referências comuns entre uma captura e outra.
Planetas¶
Diferente da Lua que está mais próxima da Terra e é amplamente capturada pelas lentes do telescópio, a observação de planetas não oferece capturas com tão grande resolução.
No caso do telescópio utilizado neste exemplo, as capturas de Júpiter e Saturno apresentam todos os problemas de uma fotografia indireta, ou seja, quando o smartphone é adaptado a resolução não é a mesma de um sensor que recebe a luz diretamente. Diferente da boa resolução recebida pelos olhos, as imagens apresentam ruídos e, caso haja vento ou alguma perturbação, também podem conter borrões de movimento (Fig. 18).
A técnica utilizada neste caso é o empilhamento e alinhamento, ou stacking. Grosso modo, captura-se uma série de fotografia ou um vídeo e um algoritmo computacional alinha essas imagens de modo que o planeta seja centralizado e em seguida, faz um trabalho de composição de pixel com todas as imagens sobrepostas resultando em uma imagem final sem o ruído presente nas capturas individuais. É possível também fazer a correção das aberrações cromáticas e um aguçamento buscando maior resolução.
O resultado final não é milagroso, mas trata-se de uma imagem de qualidade significativamente superior a qualquer uma daquelas individuais. O programa utilizado para o alinhamento, redução de aberrações cromáticas e aguçamento inicial foi o Siril, um software livre para astrofotografia. Também utilizou-se o Gimp para rotações, tratamento de brilho, contraste e rotação.
Um tutorial em inglês muito bem explanado e detalhado, sobre a abordagem utilizada neste capítulo pode ser encontrado no YouTube.
Conclusão¶
O presente capítulo abordou a astrofotografia demonstrando que é possível proceder com a técnica utilizando software livre, gratuito e multiplataforma.